Por Victoria Azevedo
(Folhapress) — Parlamentares de esquerda conseguiram adiar a votação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que pretende proibir o aborto no país.
Nesta quarta-feira (13), deputados dos partidos PT, PV e PSOL pediram vista (mais tempo de análise), adiando a votação da proposta na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados.
Com o pedido de vista, o tema voltará à pauta da comissão após duas sessões do plenário.
Apresentada em 2012, a PEC é de autoria de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara. O texto propõe uma mudança no artigo 5° da Constituição, que trata dos direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”.
Hoje, o aborto no Brasil é autorizado em três casos: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Tal qual está redigida a PEC, a proibição também avançaria nesses casos.
A pauta do aborto é um dos temas que opõe a esquerda e a direita na Câmara.
Em junho, deputados aprovaram o regime de urgência para o PL Antiaborto por Estupro, que equipara as penas para abortos realizados após 22 semanas de gestação às penas previstas para homicídio simples.
Após repercussão negativa e forte pressão da sociedade, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que criaria uma “comissão representativa” para debater o tema, algo que ainda não saiu do papel.
Atraso na votação
Nesta quarta, deputados governistas atuaram para evitar a votação da proposta. Inicialmente, não registraram presença, para que não se atingisse o quórum necessário. Depois, já com a sessão aberta, tentaram atrasar a discussão da proposta, obstruindo a pauta.
Parlamentares da direita conseguiram aprovar um requerimento de inversão de pauta, fazendo com que a PEC fosse o segundo item a ser discutido na sessão. Deputados da esquerda, por outro lado, criticaram a proposta, fazendo comparações com o PL Antiaborto por Estupro, afirmando que essa é a “PEC do Estuprador”.
Houve também diversos momentos de bate-boca entre os presentes. Em um deles, deputados da esquerda criticaram duramente a presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), após ela dizer que havia “malandragem da esquerda” para obstruir a votação.
“Essa PEC carrega muita crueldade”, afirmou Erika Kokay (PT-DF).
“A PEC significa não só um retrocesso na discussão do PL 1904 [PL Antiaborto por Estupro], mas é ainda maior. O PL 1904 era sobre gestação acima de 22 semanas. Aqui estamos falando de toda e qualquer gestação. Vai ser impossível recorrer ao direito do aborto legal”, disse a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
“A PEC é muito pior que o projeto 1904. Agora, quer colocar na Constituição que uma criança de 10 anos que engravidar de um estuprador será obrigada a ter o filho ou ser criminalizada”, acrescentou Helder Salomão (PT-ES).
Eles disseram ainda que a PEC também ameaça avançar sobre outras questões, podendo inviabilizar pesquisas com células-tronco e fertilização in vitro (FIV). A deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), filha de Eduardo Cunha, por sua vez, rebateu o argumento ao defender a proposta.
“Se esta PEC, de 2012, está sendo apreciada hoje, certamente é porque a população brasileira se manifestou. Ouvi que não pode fazer inseminação artificial, mas isso é mentira. Eu, filha do autor da PEC, tenho óvulos congelados e vou fazer uma inseminação. A PEC não está aqui para atrapalhar a ciência, não existe proibição de métodos científicos”, disse Dani Cunha.
Erika Kokay rebateu a declaração da deputada dizendo que, se a PEC for aprovada, mulheres que fizerem o procedimento de FIV terão de responder na Justiça e serão criminalizadas “por terem autorizado o descarte de embriões, porque na PEC vai estar posto que acabou interrupção legal da gravidez”.
Deputados de direita defenderam o texto e afirmaram que a proposta é a “PEC da Vida”. Também criticaram os parlamentares da esquerda, afirmando que eles não apoiam pautas que endurecem penas a estupradores.
“Sempre dissemos ser favoráveis à vida desde a concepção. Não relativizamos em nada a defesa da vida”, afirmou Chris Tonietto (PL-RJ).
Caroline de Toni incluiu a PEC na pauta do colegiado nesta semana afirmando que faria “tudo o que estivesse” a seu alcance para aprová-la.
“Essa é a PEC da Vida. Cada ser humano, desde o momento da concepção, tem o direito de viver, de ser protegido, de ser cuidado. Temos o dever de dar voz aos inocentes e lutar pela proteção incondicional de todas as vidas desde o primeiro instante de sua existência”, afirmou.
Caso a PEC seja aprovada na CCJ, caberá ao presidente da Câmara criar uma comissão especial para debater o tema. A comissão pode ter até 40 sessões (podendo encerrar antes) e, caso aprovada nesse colegiado, segue ao plenário da Casa para ser apreciada em dois turnos.
Na manhã de terça (12), a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, criticou a PEC e se manifestou de forma contrária à proposta, afirmando que, caso aprovada, representará um “retrocesso no que já temos garantido na legislação brasileira”.
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