O momento mais simbólico da democracia é a eleição. Aquele simples movimento de esticar o dedo indicador e apertar a tecla da urna eletrônica tem algo de emocionante. Sabemos que o gesto colabora para que alguém ganhe mandato, uma carta-branca para nos representar nas grandes discussões nacionais.
Não é pouca coisa.
Ao contrário do que muitas vezes acontece, mandatos não devem ser usados como privilégio, e sim como uma enorme responsabilidade.
Políticos eleitos aceitam o compromisso de defender a democracia que permitiu aos eleitores escolhê-los. E também devem zelar pelo cumprimento das leis que regulamentam esse regime democrático.
Estamos vendo agora, em um dos momentos mais delicados da história do país, vários personagens eleitos fazerem exatamente o oposto.
São figuras que fazem malabarismos para relativizar ou negar a tentativa de golpe de Estado a que os brasileiros assistiram e cujos detalhes a Polícia Federal revelou.
A campanha de Jair Bolsonaro contra o processo eleitoral de seu próprio país; os acampamentos de bolsonaristas que pediam aos militares para tomar o poder; os ataques à sede da Polícia Federal, em Brasília, no dia 12 de dezembro de 2022; o atentado a bomba no aeroporto de Brasília; a invasão dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 — alguns personagens com mandato dizem que nada disso configura tentativa de golpe de Estado.
Nem mesmo agora, quando a PF torna públicos os detalhes sórdidos de um plano criado por militares “de elite” para assassinar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, eles se rendem à realidade.
Por delírio ideológico ou porque acham que engrossando o coro de bolsonaristas terão benefícios eleitorais, políticos com mandato passam pano para os golpistas.
Esse comportamento pusilânime vai do “moderado” Tarcísio de Freitas (que correu para criticar o indiciamento de Bolsonaro por falta de provas, mesmo sem conhecer o inquérito) à extremista Bia Kicis, que fala em narrativa falaciosa.
Do presidente da Câmara, Arthur Lira, que não deu um pio sobre o plano para matar Lula, Alckmin e Moraes, ao governador Ronaldo Caiado, que mesmo brigado com Bolsonaro manteve-se igualmente mudo para não desagradar a seus aliados do agro.
Há os ressentidos, como Sergio Moro; há os cúmplices, como Nikolas Ferreira; há os fundamentalistas, como Sóstenes Cavalcante; há os desesperados, como Flávio Bolsonaro.
A estratégia é tentar normalizar o golpismo, tratando o assunto com fala mansa e expressão serena nas entrevistas da TV. Querem fazer crer ao público que essa história de tentativa de golpe é puro delírio da esquerda ou narrativa de comunistas que perseguem Bolsonaro.
Já é hora de a imprensa e outras instâncias onde se desenrola o debate público pararem de dar espaço para essa gente. O fato de terem mandato, que é a justificativa para ouvi-los, deixa de ter sentido se eles usam essa investidura para ajudar aos que querem demolir a democracia.
É preciso entender que não são apenas os 37 indiciados pela Polícia Federal que atentaram e atentam contra o Estado de Direito.
Políticos que traem a natureza de sua função e, por palavras, ações ou omissão, colaboram para enfraquecer as instituições, são golpistas também.
Então, mesmo com mandato, que sejam tratados assim, como golpistas.
Um recado para aqueles que valorizam a democracia: olho neles.
Deixe um comentário