Inflação é um assunto sensível no imaginário do brasileiro, especialmente para aqueles que viveram a época da hiperinflação. A situação era tão grave que, nos oito anos anteriores ao Plano Real (1994), o país teve quatro moedas diferentes e o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação oficial, chegou a registrar um aumento anual de preços de quase 2.500%.
Em 2024, a inflação oficial, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou na sexta-feira passada (10), fechou em 4,83% no ano, puxada principalmente pelos preços dos alimentos.
O indicador, portanto, fechou acima do teto da meta definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). O centro da meta é de 3%, podendo oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto). Ou seja, a inflação ficou apenas 0,33 ponto percentual acima do teto da meta.
A perseguição da meta é conduzida pelo Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. Um dos principais recursos para o colegiado fazer a política monetária, ou seja, controlar a inflação, é a taxa básica de juros, a Selic – que serve de referência para qualquer operação de empréstimo. Atualmente, a taxa básica está em 12,25%, depois do início do ciclo de alta em setembro passado.
Desde 1999, quando o Brasil passou a adotar o regime de metas de inflação, o IPCA ultrapassou oito vezes o limite máximo da meta. A última vez foi em 2024.
Confira abaixo o histórico de inflação no Brasil, de acordo com dados do Banco Central:
- 2024: 4,83%
- 2023: 4,62%
- 2022: 5,79%
- 2021: 10,06%
- 2020: 4,52%
- 2019: 4,31%
- 2018: 3,75%
- 2017: 2,95%
- 2016: 6,29%
- 2015: 10,67%
- 2014: 6,41%
- 2013: 5,91%
- 2012: 5,84%
- 2011: 6,50%
- 2010: 5,91%
- 2009: 4,31%
- 2008: 5,90%
- 2007: 4,46%
- 2006: 3,14%
- 2005: 5,69%
- 2004: 7,60%
- 2003: 9,30%
- 2002: 12,53%
- 2001: 7,67%
- 2000: 5,97%
- 1999: 8,94%
De acordo com o histórico do Banco Central, as metas não foram cumpridas em 2024, 2022, 2021, 2017, 2015, 2003, 2002 e 2001.
André Campedelli: “Não tivemos uma explosão inflacionária em 2024”
O economista e apresentador do ICL Mercado e Investimentos, André Campedelli, que é doutor em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e mestre em economia pela PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), explicou a razões por que a inflação de 2024 não é o fim do mundo.
“A inflação pode ter estourado a meta, mas isso não significa que tivemos uma explosão inflacionária como muita gente está tentando argumentar”, disse.
Desde o início do Regime de Metas de Inflação, o IPCA ficou apenas nove vezes abaixo de 5%.
Por essa razão, na avaliação de Campedelli, a meta de inflação do ano passado “é irreal para um país que precisa crescer para se desenvolver economicamente”. “Um teto de 4,5% para a inflação quase que obriga um crescimento econômico medíocre, e isso é o ponto central. É preciso rever essa meta inflacionária irreal que temos atualmente””, pontuou.
A propósito disso, o próprio presidente Lula (PT) já mencionou diversas vezes a questão da meta de inflação perseguida pelo Copom.
Até porque, quando há pressões inflacionárias, o Copom sobe a Selic, fazendo com que os empréstimos fiquem mais caros – seja para pessoas físicas quanto para empresas – e é sinônimo de freio na atividade econômica, o que tem potencial de conter aumento de preços. Por outro lado, desestimula investimentos e a criação de emprego e renda. Ademais, turbina a dívida pública, forçando o governo a pagar juros mais caros para se autofinanciar.
O Copom já indicou mais aumentos de 1 ponto percentual nas próximas duas reuniões – que ocorrem a cada 45 dias, com o objetivo de conter a pressão inflacionária dos próximos anos. Com isso, espera-se que a Selic chegue a 14,25% em março.
Dólar e eventos climáticos ajudam a explicar a inflação
Eventos climáticos, desvalorização do real ante o dólar e o preço das carnes são fatores que ajudam a explicar a inflação acima da meta em 2024.
O dólar teve uma valorização de 27,34% sobre o real em 12 meses. O economista Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), calcula que, a cada 10% da valorização do câmbio, significa entre 0,4 e 1 ponto percentual na inflação.
Lembrando ainda que o IPCA tem uma cobertura ampla: abrange 90% das famílias que vivem em áreas urbanas do país com renda entre 1 e 40 salários mínimos.
Essa discrepância ajuda a explicar os reflexos dos preços de determinados produtos no bolso de cada família. Para quem ganha até um salário mínimo, por exemplo, a forte alta dos alimentos gera um impacto muito maior no bolso do que para quem ganha até 40 salários.
Isso posto, vale lembrar que Banco Central, governo e o famigerado mercado, além, claro das famílias brasileiras, estão preocupados com a inflação, até porque não se sabe o que vai acontecer com o dólar com a posse do republicano Donald Trump no próximo dia 20 e com as questões climáticas, que devem continuar impactando a produção de alimentos.
Mudança no regime de metas
Outro elemento é que, a partir deste ano, há uma mudança metodológica no regime de metas. Até 2024, a meta de inflação era fechada no fim do ano corrente. Uma resolução do CMN determina que, para 2025 em diante, a meta seja apurada ao longo dos últimos doze meses. Assim, a verificação se desloca ao longo do tempo, não ficando mais restrita ao mês de dezembro de cada ano.
Esse padrão segue exemplos internacionais e é conhecido como “meta contínua”. Por exemplo, em abril de 2025 será levado em conta o intervalo de maio de 2024 a abril de 2025 para se apurar se o IPCA está dentro do limite. O presidente do BC, Gabriel Galípolo, terá que explicar por carta aberta se deixar a inflação fora da meta por seis meses seguidos. Atualmente, o chefe da autoridade monetária escreve a carta pública direcionada ao ministro da Fazenda no fim do ano, como ocorreu na última sexta-feira (10).
Segundo o BC, a utilização desse período evita a caracterização de descumprimento em situações de variações temporárias na inflação. Esse é o caso, por exemplo, de um choque em preços de alimentos que faça com que a inflação fique fora do intervalo de tolerância por apenas alguns meses.
Para 2025, a meta segue em 3%, com tolerância de 1,5 p.p. para mais ou para menos.
Em 2024, o acumulado de 12 meses do IPCA chegou a marcar 3,69% em abril, antes de sofrer inflexão e seguir tendência de alta, até alcançar a máxima de 4,87% em novembro.
O índice de dezembro (0,52%) permitiu um recuo no fim do ano, que fechou em 4,83%. Se estivesse valendo o novo critério, o BC estaria somando três meses seguidos de taxa acima do teto, mas não precisaria ainda prestar informações via carta aberta.
*Com informações a Agência Brasil e do blog da Míriam Leitão, em O Globo
Relacionados
Supersalários, a próxima batalha do governo
A espantosa resiliência dos supersalários parece impossível de ser vencida
Rodrigo Vianna: números desmentem fake news bolsonarista sobre inflação dos alimentos
Direita ignora inflação dos alimentos na gestão Bolsonaro
Governo Lula anuncia redução do limite de ultraprocessados na merenda escolar
Limite passará de 20% para 15% neste ano; norma também regulamenta a aquisição de alimentos via agricultura familiar