Por Cleber Lourenço
A atuação de espiões russos com identidades falsas criadas no Brasil, revelada por uma reportagem do New York Times, não surpreendeu servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). De acordo com profissionais da ativa, a presença de agentes estrangeiros no país — incluindo operações relacionadas a eventos internacionais como BRICS, G20 e COP30 — é monitorada continuamente, apesar das crescentes dificuldades enfrentadas pela estrutura de inteligência do Estado.
O ICL Notícias procurou a Abin para comentar o caso. A agência não confirmou nem negou os relatos — tanto o caso relatado pelo Times quanto a informação de que o órgão já tinha conhecimento da operação — e declarou que não comenta situações específicas por questões legais e operacionais.
Uma fonte com conhecimento direto das operações afirma que a Abin já acompanhava o caso de Sergey Cherkasov, espião russo preso na Holanda com passaporte brasileiro, muito antes da revelação do caso. “A Agência já tinha conhecimento. Trabalha buscando identificar (e identificando) espiões russos (e de outros países) desde sempre”, afirmou.
Apesar do conhecimento prévio e da vigilância mantida sobre esses agentes, os servidores ouvidos afirmam que, por questões de segurança institucional e sigilo, não podem detalhar quais medidas foram adotadas pela agência, tampouco informar se outros órgãos — como a Polícia Federal — ou ministérios, foram notificados sobre a presença desses espiões no país.
De acordo com a mesma fonte, a presença de agentes estrangeiros no Brasil não é meramente circunstancial ou passageira. “Eles atuam sim! Contra o Brasil e contra estrangeiros no Brasil”, diz, citando como alvos delegações diplomáticas, lideranças de organismos multilaterais e reuniões internacionais realizadas em território nacional.
A espionagem, segundo ela, não se limita à coleta de informações: envolve também a tentativa de influenciar decisões estratégicas e interferir em políticas públicas sensíveis, especialmente nas áreas de defesa, energia e meio ambiente.
Processo de sucateamento da Abin
Apesar do trabalho contínuo da agência, a fonte denuncia que a Abin sofre um processo de sucateamento que compromete a eficácia de sua missão. Ela relata restrições de acesso a dados do próprio governo, desligamento de fontes históricas, falta de ferramentas tecnológicas adequadas e um quadro funcional cada vez mais reduzido. A dificuldade de acesso, por exemplo, a bases como a da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), compromete investigações básicas. “Pra fazer trabalho de inteligência tem que tirar leite de pedra”, resume.
As críticas se alinham ao conteúdo de uma nota pública divulgada em abril de 2024 pela Intelis — União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin. Após a tentativa de atentado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, os servidores publicaram um alerta contundente: “Infelizmente, nosso órgão vem sendo continuamente sucateado e vive hoje um cenário alarmante, que cada vez mais dificulta nossa missão de garantir a segurança e a soberania do Brasil.”
Enquanto países como Rússia, China, Irã e Estados Unidos mantêm estruturas altamente profissionalizadas de inteligência, com atuação contínua em diversos países, o Brasil enfrenta desafios internos que colocam em risco sua capacidade de proteção estratégica. A situação, segundo servidores, não é nova, mas se agravou nos últimos anos.
Mesmo com recursos limitados e obstáculos burocráticos, a Abin continua sendo uma peça central na defesa da soberania nacional — ainda que, como apontam os próprios agentes, essa missão esteja sendo cumprida sob condições cada vez mais precárias.
Pergunte ao Chat ICL
Relacionados
Abin no governo Bolsonaro esvaziou área que monitora extremismo, afirmam servidores
Relatórios sobre ameaças de grupos extremistas foram arquivados, e servidores removidos ou isolados na gestão Ramagem
Abin alertou sobre ameaças à posse de Lula antes do 8 de janeiro, mas governo Bolsonaro ignorou
Relatórios indicavam risco de atentados, caravanas organizadas e planos de ações violentas contra aeroportos e órgãos públicos
Abin monitorou e alertou sobre militares envolvidos em ações golpistas em 2022
Documento associa integrantes da reserva a manifestações com discurso golpista e monitoramento de alvos políticos