No último domingo a Alemanha teve eleições regionais para o parlamento de Brandemburgo, algumas semanas depois da Turíngia e da Saxônia, todos estados na parte oriental do país. Depois de uma disputa apertada, o Partido Social Democrata, do chanceler Olaf Scholz (SPD), manteve o maior número de assentos. Mas foi por muito pouco.
Em um feito inédito desde a reunificação da Alemanha, o partido de extrema direita AfD (Alternative für Deutschland) ficou em segundo lugar no estado — o SPD com 32 assentos e a AfD com 30. Na Saxônia, o partido extremista também ficou em segundo lugar e na Turíngia em primeiro. Nas ruas de Brandemburgo, era possível ouvir jovens do partido cantando músicas que pediam que se “deportassem aos milhões”.
Desde 2021, a AfD está sob vigilância da inteligência da Alemanha, o Departamento Federal de Proteção da Constituição, por suspeita de extremismo e risco à democracia. Com um discurso violento nacionalista e anti-imigração, o partido tem conhecidas conexões com organizações neonazistas e fascistas. Em novembro do ano passado, um encontro entre a AfD e um ativista de extrema-direita austríaco revelado pelo jornal investigativo Corretiv gerou uma onda de protestos no país por discutir um projeto para enviar até dois milhões de pessoas — solicitantes de asilo, estrangeiros e cidadãos alemães que não teriam se integrado ao país — para campos de concentração no norte da África.
Vale lembrar também que o partido extremista tem conexões com o Brasil. Em 2021, durante a pandemia, o parlamentar Waldemar Herdt passeou pelo Templo de Salomão em São Paulo, visitou outras igrejas evangélicas e deputados. No mesmo ano, a famosa política da AfD Beatrix von Storch, que é neta do ministro de finanças de Hitler, também viajou ao Brasil e se encontrou com o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro.
Nas eleições em Brandemburgo, o partido Verde, de centro-esquerda e o Die Linke, de esquerda, ficaram fora do parlamento porque não atingiram os 5% obrigatórios.
Essa guinada à direita da política alemã tem gerado preocupações extras porque até agora os outros partidos conseguiam vetar a AfD por se negarem a fazer coalizões, um pacto conhecido por “firewall”. Acontece que com cada vez mais assentos nos parlamentos, fica cada vez mais difícil manter o pacto. Em alguns governos locais inclusive ele já foi por água abaixo.
Mas talvez o dado mais alarmante é que essa ascensão da extrema direita na Alemanha está sendo impulsionada por eleitores jovens. Em Brandemburgo, de acordo com uma pesquisa realizada pela emissora pública ARD, cerca de 32% dos eleitores entre 16 e 24 anos em Brandemburgo votaram na AfD, de longe a maioria nessa faixa etária.
Para Börries Nehe, sociólogo e coordenador do IRGAC, grupo de pesquisa internacional sobre autoritarismos da Fundação Rosa Luxemburgo de Berlim, essa é uma informação realmente preocupante. Ele acrescenta que além dos jovens, os trabalhadores e pessoas com menor educação formal também têm votado mais na extrema direita, seguindo uma tendência global.
“Existe uma série de fatores para o crescimento da extrema direita, globais e locais. Existe a crise da hegemonia do neoliberalismo, um sentimento geral de insegurança e instabilidade geradas pelo capitalismo e a extrema direita aparece oferecendo falsas soluções, isso é algo que a gente vê no mundo todo”, diz. “Na Alemanha isso se soma a um desencantamento com o governo atual de Scholz e mesmo com o governo anterior de Angela Merkel. Mas acho que o ponto central é mesmo o racismo e um consenso anti-imigração”.
Esse consenso anti-imigração estaria, segundo Börries, tomando aos poucos outros partidos, o que estaria puxando a régua política para a extrema direita, na tentativa de disputar os votos da AfD.
Ulli Jentsch, jornalista e pesquisador sobre autoritarismo global e sobre o movimento antifeminista “pró-vida” na Alemanha, concorda que o discurso anti-imigração tem tomado a política alemã e os discursos da extrema direita, que culpam de maneira infundada os imigrantes pela insegurança financeira, falta de trabalho e violência têm encontrado eco na sociedade.
Mas a aproximação dos jovens com a extrema direita está longe de ser um fenômeno local. Segundo um estudo da agência internacional de pesquisa Glocalities em 20 países, incluindo Brasil — e que foi citado como “oportunidade” para a direita no último congresso em que me infiltrei, como contei na última coluna — apontou que “sentimentos de desesperança, desilusão social e revolta contra os valores cosmopolitas explicam em parte a ascensão de partidos radicais de direita” e que há um aumento do desespero e desesperança nos jovens diante de crises sociais, econômicas, climáticas e uma desilusão geral com os modelos políticos estabelecidos e suas figuras.
Ainda segundo o estudo, como mostra essa matéria do Infomoney, os algoritmos das mídias sociais “têm ampliado a tendência ao atrair jovens moderadamente conservadores para modelos e visões de mundo masculinos conservadores mais extremos e radicais”.
No Brasil, não faltam pesquisas e reportagens que apontam na mesma direção: boa parte dos jovens estão iniciando sua vida política à direita ou se identificando com extremistas. Uma pesquisa realizada por Beatriz Besen, psicóloga, pós-doutoranda do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP mostra inclusive semelhanças entre Brasil e Alemanha. Em entrevista ao jornal da USP ela diz: “As pautas são diferentes, mas se constroem de uma forma muito parecida. Elas se baseiam na construção do outro como uma ameaça. A ameaça interna que une a comunidade brasileira são os bandidos. No caso alemão, esse inimigo comum são os imigrantes. O formato do discurso é o mesmo”.
Mas para além das multi crises, a desilusão, a desconexão com a ideia de futuro e todas essas inseguranças e incertezas que a extrema direita sabe capturar oferecendo soluções fáceis e fantasiosas, e o fato de que a linguagem das redes sociais facilitam muito esse trabalho subvertendo o medo em ódio; e ainda sem entrar a fundo no machismo e ódio às mulheres propagados em fóruns e redes incel, no nosso caldeirão nacional entram também a religião e a crença na filosofia coaching — ou “Teologia Coaching”, como nomeia o excelente livro de Ranieri Costa.
Essa teoria que propaga a fantasiosa ideia do vencedor, que não aceita a derrota, que enriquece somente às custas de seu próprio esforço e com a ajuda de Deus. Esse ideal de sucesso absoluto e individualista, que só falha se você não aplicou o método corretamente, alimenta esse ciclo pois o fracasso gera frustração, a frustração é capturada e transformada em ódio e o ódio é capturado pelos extremistas.
A aproximação dos jovens com a extrema direita é um assunto complexo, cheio de matizes, e ainda vamos falar muito sobre isso nesta coluna. Mas o que as últimas eleições na Alemanha, as pesquisas internacionais e os estudos realizados no Brasil têm mostrado é que passou da hora de nos perguntarmos, como no livro do jornalista argentino Pablo Stefanoni, se “a rebeldia se tornou de direita”, o que têm de tão forte nesse apelo à ideia da volta a um ideal de passado e, sobretudo, que futuro alternativo a gente tem para oferecer.
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