Por Catarina Duarte – Ponte Jornalismo
Lucas Fazolin, de 30 anos, era brincalhão. O garçom adorava sair com amigos, jogar futebol e ficar com a filha Bianca, 6, o grande amor de sua vida. Agora, a família dele planeja como contar para a criança que o pai se foi. Lucas foi morto na última segunda-feira (10), em Peruíbe, no litoral de São Paulo, por tiros disparados por policiais militares que estavam de folga. Os agentes disseram ter reagido a um assalto à mão armada, versão desacreditada pelos familiares, que falam em execução.
O crime ocorreu por volta das 19h, na Avenida Doutor Tancredo de Almeida Neves, no bairro Estância dos Eucaliptos. Naquela tarde, Lucas pegou emprestada a bicicleta do pai e disse que iria visitar um amigo. Fazia apenas um dia que o jovem estava na cidade, em que já morou, desta vez a passeio. A Ponte conversou com familiares do garçom.
Lucas viveu em Peruíbe boa parte da vida. A família conta que o jovem mantinha uma rede de amigos na cidade. “Era conhecido por todo mundo”, contou um familiar que pediu para não ser identificado.
Para Ivoneide Aloise Oliveira, 50, mãe de Lucas, o filho foi assassinado. “Eles cometeram um erro, um erro muito grande”, afirma. Ivoneide diz que o garçom não tinha motivos para cometer um assalto, já que recebia ajuda financeira da família. Ele também não possuía armas ou réplicas, relata a mãe.
Simulacro
A Ponte teve acesso ao boletim de ocorrência do caso. O sargento Alexandre Fernando Carneiro e o soldado Marcos Vinícius Fonseca contaram que Lucas passou por eles de bicicleta “levantando suspeitas”. Ainda na versão dos policiais, o garçom teria retornado e anunciado um assalto com a arma em punho, o que fez com que os PMs atirassem.
No boletim é descrito que um simulacro foi encontrado perto do corpo, mas o item não consta entre os objetos apreendidos. A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) sobre essa incongruência. Em nota, a pasta afirmou que o simulacro foi apreendido, sem explicar por que essa informação não consta no BO [veja íntegra abaixo].
A ocorrência foi registrada em Peruíbe pela delegada Izabela Coelho Fernandes. Para Izabela, não houve elementos suficientes para prender os policiais em flagrante. Alexandre e Marcos estavam de folga no dia e usaram pistolas registradas em seus próprios nomes para atirar. A equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Emergência (SAMU) constatou a morte do garçom assim que a equipe chegou ao local.
O boletim de ocorrência também menciona que Lucas tinha um mandado de prisão preventiva aberto. O documento diz respeito a um assalto ocorrido em 2021, em Peruíbe. Segundo a denúncia do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a chave PIX do garçom teria sido usada para transferência de dinheiro da conta das vítimas do assalto.
O mandado de prisão foi expedido em 15 de janeiro deste ano, sem que Lucas fosse ouvido pela Polícia Civil.
Lacunas
A certidão de óbito diz que Lucas morreu por hemorragia aguda provocada por ferimentos de arma de fogo. Para a família, essa é uma peça do quebra-cabeças para desvendar a morte do garçom. A investigação ainda é marcada por lacunas.
Ivoneide diz que o filho tinha um ferimento na testa e que um dos braços parecia estar quebrado. A mãe sofre ao imaginar que o filho possa ter sido vítima de agressões. “Se eles só atiraram nele porque o braço quebrou?”, fala. Um laudo necroscópico — que vai revelar a causa da morte e detalhar os ferimentos — foi solicitado pela delegada, mas o resultado ainda não foi divulgado.
Dona de uma fábrica de fardas, Ivoneide diz não desacreditar na polícia. “Eu falei para o meu filho e para meu ex-marido, eu não culpo a corporação. Porque eles fazem um juramento, assim como os médicos, quando colocam a farda. Eles tinham que honrar a farda que estão vestindo”, diz.

Família questiona registro do SAMU que não indica ferimentos na cabeça de Lucas | Foto: reprodução
“Eu não desacredito da polícia. Não é isso que eu estou falando. Só que, infelizmente, como em todas as profissões, há os profissionais, e esses dois aí não servem para usar uma farda”, afirma Ivoneide.
Outro ponto questionado pela família é o atendimento feito pelo SAMU. Segundo o documento que registra o trabalho dos socorristas, o veículo saiu da base às 19h41. São quase 30 minutos depois do descrito pelos policiais como horário do crime. Para os familiares, esse é um indício de que houve omissão de socorro.
No BO, os policiais contam que, após dispararem, chamaram reforço via o Centro de Operações da Polícia Militar (COPOM).
Um segundo questionamento da família diz respeito aos ferimentos que Lucas tinha pelo corpo. Eles questionam a ausência no registro do ferimento que o jovem tinha na cabeça. A Ponte procurou a prefeitura de Peruíbe, responsável pelo SAMU, para esclarecer a ausência. Não houve retorno à publicação.
O que dizem as autoridades
A Ponte procurou a SSP-SP questionando sobre as investigações da Polícia Civil e se um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado. Em nota, a pasta respondeu apenas sobre o inquérito civil.
Leia a nota da SSP-SP na íntegra:
Todas as circunstâncias dos fatos são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pela Delegacia de Peruíbe. O simulacro utilizado pelo criminoso foi apreendido e encaminhado para perícia, assim como a arma utilizada pelos policiais, que estavam de folga. Laudos periciais estão em elaboração e, assim que concluídos, serão encaminhados para análise. Outras diligências são realizadas para o esclarecimento do caso.
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