Por Chico Alves
O advogado Rafael Valim é um dos signatários da Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada em nome do PSOL que levou o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), a suspender a execução das emendas impositivas. Valim, que também é integrante do Conselho de Defesa do ICL, explica na entrevista a seguir quais são os efeitos práticos da decisão e quais as distorções que esse tipo de emenda de execução automática causa para a implantação de políticas públicas no Brasil.
ICL Notícias — Qual a importância dessa decisão?
Rafael Valim — Me parece que essa decisão restaura o modelo original da Constituição de1988, restaura o modelo original de separação de poderes concebidos naquela ocasião. Essa medida restaura governabilidade do país. Acho que esse é um ponto fundamental.
A governabilidade do país estava absolutamente inviabilizada por essas alterações constitucionais que, recordemos, remontam a 2015 e têm como pai intelectual Eduardo Cunha.
O Poder Legislativo se apropriou indevidamente de uma função exclusiva do Executivo, que é de executar o orçamento, definir as prioridades. Se apropriou de uma parcela significativa do orçamento público em favor de interesses muitas das vezes nada republicanos.
O que muda na prática a partir da liminar?
A partir dessa decisão, são duas determinações fundamentais. Primeiro, a suspensão imediata de todas as emendas impositivas. Ou seja, todos as emendas passam a ser indicativas. Serão executadas ao crivo do Executivo.
Segunda determinação fundamental: depois de estabelecidos critérios — ele fala até em diálogo institucional entre Executivo e Legislativo para estabelecer critérios de eficiência, transparência –, o Executivo vai definir, ele vai fazer o critério, vai fazer uma análise das emendas parlamentares que forem apresentadas. E ele (o Executivo) vai avaliar se aquelas emendas parlamentares obedecem aos critérios que vão ser estabelecidos.
Dino diz o seguinte: essa impositividade a partir de agora não pode ser lida como algo absoluto. A partir de agora, o parlamentar apresenta a emenda, mas quem vai ter a palavra final para decidir se tem que executar ou não aquela despesa vai ser o Executivo, de acordo com critérios técnicos que vão ser oportunamente estabelecidos.
Acredita que o plenário do STF vai referendar essa decisão do ministro Flávio Dino?
Acho que há precedentes no Supremo, do ministro Barroso, do ministro Toffoli. Há manifestações também do ministro Gilmar Mendes, textos doutrinários, ou seja, em livros, que apontam para essa afetação do princípio da separação de poderes pelas emendas parlamentares impositivas.
Como nunca ninguém tinha colocado isso para julgamento, os ministros não tinham se debruçado sobre esse tema, especificamente sobre a inconstitucionalidade das emendas parlamentares impositivas. Mas já há manifestações de vários ministros neste sentido. Minha expectativa é que o plenário referende essa liminar do Flávio Dino.
O que o sr. acha do argumento do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para defender as emendas impositivas, de que os parlamentares são os que mais conhecem os anseios da população?
Para atender esse argumento do Lira, a emenda foi prevista na Constituição, e foi um avanço democrático. Lembrando que na Constituição da ditadura praticamente não existia emenda parlamentar. Então, na Constituição de 1988 foi prevista a figura da emenda parlamentar, justamente para que o orçamento refletisse também a sensibilidade do Parlamento.
Mas daí a essas despesas terem natureza obrigatória é um passo inaceitável. Quem efetivamente conhece as necessidades, tem o corpo técnico para avaliar as necessidades e formular políticas públicas é o Executivo. Isso não pode ser retirado do Executivo sob pena de violar a Constituição.
Ao que parece, como vinha sendo usada, a emenda impositiva impede a execução de políticas públicas de vulto nacional.
Nem é política pública, já que política pública requer planejamento. Esse é um dos fundamentos da nossa ação. Esse modelo da impositividade viola também o Artigo 3º da Constituição, que fala de desenvolvimento nacional e redução das desigualdades sociais e regionais. Na medida em que você perde a perspectiva nacional do desenvolvimento, fulmina esse dispositivo constitucional. Você fragmenta de tal maneira a execução orçamentária que só passam a ter relevância os interesses paroquiais, interesses atomizados nos municípios.
A partir de agora, o Legislativo volta para o lugar que foi desenhado pela Construção de 1988 e que foi desfigurado pelo engenho de um deputado que se chama Eduardo Cunha, em 2015. Situação que depois foi agravada por todos os abalos institucionais que a gente testemunhou desde a Lava Jato e o golpe contra a presidenta Dilma. No governo Bolsonaro isso foi agudizado.
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