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Por Heloisa Villela

O governo brasileiro quer fazer parte da Iniciativa Cinturão e Rota, da China, mas espera o momento político mais apropriado. A Iniciativa existe há 11 anos e já conta com a participação de 150 países.

Diplomatas do Itamaraty temem que uma adesão formal agora seja interpretada, em Washington, como um alinhamento geopolítico brasileiro à China. E se Donald Trump for reeleito presidente, o assunto virá à tona, com ecos fortes na política doméstica. Afinal, o que Trump disser nos Estados Unidos será repetido e multiplicado pela extrema direita no Brasil.

A Iniciativa Cinturão e Rota, também conhecida como Nova Rota da Seda, foi anunciada pelo presidente Xi Jinping em 2013 e já financiou projetos de infraestrutura na Ásia, em países da Europa, na África e na América Latina. Como diz Diego Pautasso, doutor em estudos estratégicos internacionais e especialista em China, a Iniciativa é uma globalização alternativa à proposta neoliberal dos Estados Unidos, mais multilateral e voltada ao desenvolvimento e à integração.

Existe interesse de aderir ao programa no Palácio do Planalto. No fim de julho deste ano, a ex-presidenta Dilma Rousseff, que hoje preside o Novo Banco de Desenvolvimento (o banco dos BRICS), com sede em Xangai, desembarcou em Brasília com uma apresentação debaixo do braço. Em reunião de mais de uma hora com o presidente Lula, Dilma mostrou o estudo de seus assessores sobre as vantagens econômicas da Nova Rota da Seda para o Brasil.

Lula gostou do que viu: possibilidades de investimentos em infraestrutura e, se a negociação for bem feita, a chance de promover um novo ciclo de industrialização no país. Lula criou um Grupo de Trabalho que inclui, entre outros, o Ministro da Casa Civil, Rui Costa, o Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, e o Vice-Presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. O Grupo deve se reunir pela primeira vez dentro de, no máximo, 15 dias.

Nova Rota da Seda

A Iniciativa Cinturão e Rota, também conhecida como Nova Rota da Seda, foi anunciada em 2013. Foto: Heloisa Villela

China já mobilizou mais de 1 trilhão de dólares nos países parceiros

Nos primeiros 10 anos de vida da Nova Rota da Seda, a China mobilizou mais de 1 trilhão de dólares em projetos de infraestrutura e investimentos não financeiros nos países parceiros. No ano passado, foram 212 acordos, somando 92,4 bilhões de dólares, um crescimento de 18% em relação a 2022. Com esses investimentos, o comércio entre as 149 nações do grupo cresceu 7,2% no primeiro semestre de 2024 atingindo a marca dos 2,67 trilhões de dólares.

Em novembro, Xi Jinping virá ao Brasil participar da reunião do G20, no Rio de Janeiro, e também será recebido em Brasília pelo presidente Lula. Juntos, se toda a agenda se confirmar, Xi e Lula visitarão o porto de Chamay, no Peru, um projeto da Nova Rota da Seda. O porto peruano pode se tornar um dos novos pontos de escoamento de produtos agrícolas e minérios do Norte e do Centro-Oeste brasileiros para a Ásia, através do Oceano Pacífico.

Desde o começo do ano passado o governo trabalha com um projeto de integração regional da América do Sul por meio de rodovias, ferrovias e transporte fluvial. É a menina dos olhos do Ministério do Planejamento e Orçamento. A Ministra Simone Tebet apresentou o projeto durante a última reunião da Cosban, a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, em Pequim, em junho deste ano. Muitas empresas chinesas se mostraram interessadas. É um programa que tem muita afinidade com a Iniciativa da Nova Rota da Seda e poderia ser financiado dentro dela.

“Brasil tem o que oferecer e o que aprender com a China”

Na segunda quinzena do mês de agosto, visitei a China com um grupo de outros 19 jornalistas brasileiros, a convite do Partido Comunista, o PCCh. O convite incluiu visitas a 4 cidades, empresas, centros de comunicação e mídia e comunidades agrícolas com deslocamentos aéreos e estadias cobertas pelo anfitrião. Durante as duas semanas de agenda ficou claro que os chineses têm interesse em fechar a participação oficial do Brasil na Iniciativa, se possível com uma assinatura durante a visita de Xi Jinping a Brasília. Se quiser se beneficiar da Iniciativa chinesa, o Brasil precisa se organizar, traçar planos e fechar uma proposta para apresentar.

Pedro Steenhagen, doutorando em Política Internacional da Universidade Fudan, em Xangai, e diretor de desenvolvimento do Observa China, diz que a Nova Rota da Seda é bem mais do que um conjunto de investimentos em infraestrutura. No caso do Brasil, Pedro vê potencial para o aprendizado científico, com a troca de técnicos dos dois países, vagas para brasileiros em universidades de ponta da China, além da possibilidade de investimentos em ferrovias e rodovias ligando diferentes regiões do Brasil ao Pacífico. Mas Pedro destaca que a Iniciativa não se limita mais à construção de estradas, ferrovias e portos. Ela foi expandida para saúde, mundo digital e meio ambiente, por exemplo.

“Existe um gap mundial de investimentos em infraestrutura da ordem de US$ 10 trilhões. Se o Brasil for pragmático e souber o que quer da China, pode se beneficiar. A sustentabilidade é uma área inevitável”, afirma Pedro, pensando no monitoramento da Amazônia, do Pantanal, do Cerrado, biomas que estão em processo de destruição. A China teria interesse em ajudar a preservar essas áreas e ter acesso ao conhecimento científico que elas podem produzir.

A noção de que o Brasil tem o que oferecer mas tem muito que aprender com a China é comum entre estudiosos da relação bilateral. Marco Fernandes, mestre em História pela USP, é co-fundador do DongSheng, site de informações sobre a China criado por um coletivo internacional de pesquisadores. Marco mora em Pequim há 5 anos. Lá ele conheceu o jornalista Wu Zhihua, primeiro correspondente do Diário do Povo no Brasil. Wu morou 13 anos no país, a partir de 1985, e foi com a missão de explicar aos chineses como o Brasil tinha deixado de ser uma grande fazenda de café, nos anos 30, para se tornar uma das maiores potências industriais do mundo nos anos 80.

“Você sabia que entre 1930 e 1980 o Brasil foi o segundo país do mundo que mais cresceu? Só perdeu para a União Soviética”, destaca Marco. No pub com jeitão irlandês em Xangai, ele me lembra que, nos anos 80, o PIB do Brasil era igual à soma do PIB da China com o da Coreia do Sul. “Hoje a Coreia do Sul é uma potência industrial de alta tecnologia e o PIB da China é dez vezes o brasileiro”. Por isso, diz ele, agora é o Brasil que tem muito para aprender com os chineses.

Marco também adianta que o Brasil pode revolucionar o campo e a produção de alimentos com máquinas de pequeno e médio porte e bioinsumos. Os chineses produzem todo tipo de máquina agrícola para pequenos proprietários. Podem criar parcerias com as nossas empresas e fabricar no Brasil. E um professor da China criou uma bactéria em laboratório que pode ser usada em compressores industriais para transformar lixo orgânico em adubo. “Uma fábrica média pode processar 100 toneladas de lixo orgânico em 70 toneladas de bioinsumo. Pode ser uma revolução para produzir mais comida orgânica e baixar o custo”, diz Marco.

Pedro Steenhagen ressalta que a lição está na rota que tornou possível a modernização da China. Ele diz que é preciso mudar o tipo de investimento que o país está fazendo no Brasil. Comprar a fábrica da Ford, em Camaçari, na Bahia, para instalar a BYD e produzir carros elétricos é bom, mas melhor, diz ele, seria criar joint ventures com transferência de tecnologia. “Foi o que a China fez para se modernizar, adquirir tecnologia e se desenvolver. Fez joint ventures com empresas da Europa”, afirma.

 

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