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Governo de SC faz parceria sem licitação para operar telemedicina

Valor do contrato é maior do que destinado às unidades hospitalares sob gestão do governo estadual
08/11/2024 | 07h27

Por Amanda Miranda — Newsletter Passando a Limpo

Uma denúncia do jornal O Globo trouxe à tona uma parceria sem licitação realizada pelo governo de Santa Catarina com uma empresa de telemedicina do Piauí, que se instalou no Estado três dias antes de apresentar uma proposta comercial à gestão.

O contrato, regido por uma “norma de parcerias estratégicas” mobilizada em um instrumento que mapeia “oportunidades de negócio” por parte do Centro de Automação e Informática do Estado de Santa Catarina (Ciasc), prevê R$ 640 milhões para a prestação de serviços especializados de tecnologia para a realização de teleconsultas.

O valor é maior do que os R$ 540 milhões disponíveis, este ano, para a manutenção das unidades hospitalares sob administração direta do Estado.

O contrato, que já chamou a atenção de lideranças da oposição ao governo Jorginho Mello, também será analisado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina.

Um dia após a veiculação da reportagem, o TCE informou, em nota, que “já está analisando o caso, com a requisição de documentos e informações sobre os critérios que embasaram a referida contratação”. Ponderou, ainda, que “toda a documentação será objeto de criteriosa análise pelo TCE, que a concluirá com a urgência e celeridade que o assunto requer”.

A movimentação ocorreu via Ciasc, empresa pública que desenvolve soluções de tecnologias para os governos. A Secretaria de Saúde de Santa Catarina seria a cliente do órgão, mas não é ele quem desenvolve o produto, e sim a Integra Saúde Digital Telemedicina.

A empresa é fornecedora da tecnologia para o estado do Piauí e acessou o órgão público catarinense por meio de um sistema de normas que permite “processo de tomada de decisão envolvendo contratações em oportunidade de negócio, com foco em ganhos financeiros, operacionais e competitivos alinhados ao planejamento estratégico e responsabilidade social do Ciasc, atendendo às necessidades dos clientes internos e externos da empresa”.

Oposição quer CPI para investigar contrato

O líder da oposição na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Fabiano da Luz (PT), ironizou o contrato por um ponto que contradiz as próprias falas do governador a respeito do potencial tecnológico e das redes de startup catarinenses. Em postagem no X, avisou que oficializou pedido de informação ao Executivo.

“Florianópolis é considerada o Vale do Silício brasileiro, mas o governo do Estado foi atrás de uma empresa do Piauí para contratar 640 milhões em serviços de telemedicina sem licitação”, afirma Fabiano da Luz no X.

Para um pedido de CPI, são necessárias 14 assinaturas. Mesmo Jorginho Mello tendo ampla maioria na Assembleia, o clima é de que a oposição consiga as assinaturas por conta das primeiras repercussões do caso junto à opinião pública.

Líder da oposição na Assembléia Legislativa de SC, deputado Fabiano da Luz (PT) pediu informações ao governo (Foto: Divulgação)

Empresa de telemedicina analisada pelo TCE-PI

Operando no  Piauí, a Integra é citada positivamente em materiais do governo do estado. “O estado já conta com 1.169 Unidades Básicas de Saúde (UBS) equipadas com as salas do Piauí Saúde Digital em funcionamento, possibilitando mais de 128 mil atendimentos, entre consultas e exames, em pouco mais de um ano de criação”.

O contrato entre a empresa e o governo, no entanto, foi alvo do TCE-PI. A representação foi feita pela Diretoria de Fiscalização de Políticas Públicas que apontou irregularidades identificadas no contrato, também sem licitação.

Gestores públicos foram multados e o órgão fez recomendações para que houvesse estudos técnicos e de mercado em caso de nova contratação. O documento aponta falhas no serviço, como o fato de nem todos os equipamentos de eletrocardiograma possuírem interoperabilidade com o software contratado. Isso levava à necessidade de se copiar o resultado do exame para um pendrive, colar no computador da unidade e enviar para o cardiologista remotamente.

Serviço de telemedicina Alô + Saúde de Florianópolis (Foto: Divulgação)

Florianópolis já tem serviço de telessaúde

Florianópolis conta com um serviço similar ao que o Estado busca, que foi contratado via pregão eletrônico, com o objetivo de implantar o Serviço de Atendimento Remoto em Saúde, denominado Alô + Saúde, para atendimento remoto em saúde à população.

O contrato prevê atendimento remoto em saúde à população, sem restrição de idade, localizada no território de Florianópolis (moradores e população flutuante), via telefone, chat de texto e videochamada, e que deve ser organizado e mantido em funcionamento em tempo integral (24 horas por dia, 7 dias na semana).

O valor total do contrato é de R$ 9,2 milhões ao ano, pago do Fundo Municipal de Saúde à Topmed Assistência a Saúde. Segundo a empresa, entre junho de 2023 e fevereiro de 2024, foram atendidas 54.751 chamadas de consultas na cidade. Cerca de 15% foram encaminhados para teleconsultas médicas.

Governador chama denúncia de ‘fake news’

Em entrevista reproduzida nas redes sociais da Jovem Pan News, o governador Jorginho Mello chamou a notícia de fake news pois, segundo ele, “nada foi contratado”. “A prioridade do governo é a saúde. Queremos oferecer aos catarinenses condições de ele poder consultar com uma rede de médicos”, disse, frisando que com as soluções da telemedicina isso pode ser feito a qualquer hora do dia.

Em entrevista à Jovem Pan News, governador de SC afirma que serviço ainda não está contratado (Foto: Redes sociais)

O governador também disse que houve chamada pública para a contratação da solução e que o assunto foi encaminhado para o Ministério Público e o Tribunal de Contas. “Não tem centavo nenhum gasto”, acrescentou. O presidente do Ciasc, Moisés Diersmann, protocolou junto ao TCE e ao Ministério Público do Estado um ofício solicitando um parecer sobre a legalidade do processo de implementação do Projeto de Saúde Digital.

No Diário Oficial do Estado de 22 de março deste ano, o Ciasc comunicou o estabelecimento de parceria para viabilização de solução de saúde digital para atender a administração pública. O resultado foi homologado por meio de memorando, com a Integra como empresa homologada.

O cronograma de implantação do sistema que consta no contrato previa a instalação de uma plataforma em setembro. O documento ao qual a reportagem teve acesso contem como última providência, na data de 19 de agosto de 2024, a solicitação de que se instrue e acompanhe o processo “com celeridade e objetividade até que o mesmo esteja apto para que a Gerência Comercial dê continuidade ao atendimento das demandas dos Clientes”.

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