Nem deu tempo atrapalhar o tráfego. O corpo caiu nos trilhos, a faxina limpou o sangue do “crime”, o metrô seguiu o fluxo. Ficou apenas o último grito do passageiro no instante em que a porta da plataforma o imprensou e tirou a vida.
Esmagado pela máquina de empilhar gente no transporte público, às 8 horas de segunda-feira, o baiano Lourivaldo Ferreira Silva Nepomuceno, de 35 anos, morreu na estação Campo Limpo, Linha Lilás, na Zona Sul de São Paulo. O berro de pânico, como uma rês no matadouro (na descrição de testemunha), ecoa pelos subterrâneos da cidade.
No dia seguinte, o rosto de Lourivaldo, descendente dos pataxós da aldeia indígena de Barra Velha (BA), estava apenas nos cartazes do protesto dos sem-teto: “Não foi acidente, foi negligência”.
A ViaMobilidade, concessionária da Linha Lilás, alegou imprudência do passageiro, que teria ignorado os avisos sonoros de fechamento das portas.
O Sindicato dos Metroviários de SP lembrou que a precariedade dos serviços não é de hoje: “A Linha 5 foi privatizada em 2018 e, de lá para cá, lógica do lucro imperou na sua operação. Com isso, cresceram as falhas e diminuiu a segurança dos passageiros. Logo após o acidente e antes de qualquer perícia, houve lavagem do local”.
Nem deu tempo atrapalhar o tráfego, como o operário da música de Chico Buarque. Apenas um corpo de pobre subtraído da via férrea. Segue o fluxo. Atenção senhores passageiros…
Lourivaldo Ferreira Silva Nepomuceno, repositor de supermercado e estudante do último ano de Educação Física, deixa mulher e três filhos.
Debaixo do chão de São Paulo, do Capão Redondo à Chácara Klabin — o trajeto diário —, permanece o seu grito final do desespero. É impossível não ouvir esse eco em todas as plataformas da correria metropolitana.
A empresa privada que administra o serviço da linha da morte (desde 2018) agora promete instalar sensores (no vão entre as portas da plataforma e o trem) nas estações.
Com estes equipamentos, que foram implantados em outras linhas do metrô, Lourivaldo teria saído com vida.
“A Via Mobilidade não previu, o sistema deles não tem. É triste falar agora que deveriam ter previsto, a tecnologia existe”, disse, em entrevistas à imprensa, o presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô, Luis Kolle.
O governo Tarcísio de Freitas, responsável pelo transporte ferroviário na Grande SP, não emitiu sequer uma fria nota de lamento. Tampouco foi cobrado pela mídia paulistana.
Nem deu tempo atrapalhar o tráfego. O corpo prensado nas portas e morto nos trilhos foi rapidamente retirado de cena.
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