Por João Cezar de Castro Rocha*
Carlos Drummond de Andrade traduziu poeticamente a teoria da relatividade no poema Passagem do tempo, cujos versos iniciais recordam:
O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão (…)
No nosso caso, muito mais prosaico, trata-se do Ano Novo: o que esperar de 2024?
Esqueçamos, como se fosse possível, o imediato, embora continente: esperemos todos que o chantagista-mor da República, Arthur Lira, finalmente ocupe o lugar que lhe cabe: o laborioso anonimato de quem deseja manter-se impune. Esperemos todas que Roberto Campos Neto deixe de ser menino de recados do sistema financeiro e, num inesperado momento de epifania, pense no Brasil.
Ora, por que não esperar do Ano Novo o essencial?
Vamos lá: que saibamos diferenciar bolsonaristas de eventuais eleitores de Bolsonaro — a maioria dos 58 milhões de votos recebidos pelo Jair Messias em 2022. Sobretudo, e de braços abertos e olhos livres, comecemos a dialogar com os que têm opções diversas das nossas; por vezes, mesmo opostas. Sem superar esse obstáculo, toda eleição representará o risco do abismo.
Não é tudo: que aprendamos a separar o joio do trigo: de um lado, os tantos pastores-mercadores da fé alheia e os inúmeros pastores-políticos-histéricos no púlpito, de outro lado, as dezenas de milhões de fiéis que encontram nos templos evangélicos o que o País-Brasil sempre lhes negou: pertencimento a uma comunidade. Sem derrubar esse muro, dificilmente haverá algum dia a Nação-Brasil.
No começo do início do fim de 2023, retornemos a Carlos Drummond de Andrade. Os versos de Receita de Ano Novo oferecem o norte para 2024:
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo.
Historiador, professor de literatura comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e escritor
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