Importante instrumento de proteção, a Lei Maria da Penha ainda é uma realidade distante de muitas brasileiras. Apenas duas em cada dez mulheres — 24% — afirmam que são bem informadas em relação aos mecanismos contidos no texto, destinado a coibir e prevenir a violência doméstica e familiar. Outro dado preocupante é a subnotificação de crimes.
Segundo a décima edição da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, compilada pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) e o Instituto DataSenado, ambos do Senado Federal, mesmo nas regiões onde há maior conhecimento sobre a lei, o índice ainda é baixo — pouco acima de 30%.
Maria da Penha: falta de conhecimento
Em entrevista à Agência Brasil, a coordenadora de Parcerias do Instituto Avon, Beatriz Accioly, destaca que a Lei Maria da Penha é até conhecida pelas brasileiras, mas superficialmente.
Segundo Beatriz, no entanto, o conhecimento está “muito longe de ser o ideal, o que não dá segurança de saber exatamente o que a lei garante em termos de direitos e o que ela muda de fato”.
Para ela, o maior conhecimento é fundamental para as mulheres brasileiras poderem reivindicar seus direitos, além de interromper ciclos de abusos e agressões.
“Esses dados mostram que as pessoas sabem que a lei existe. Mas elas precisam conhecer seus instrumentos, suas ferramentas, como utilizar a lei e transformá-la em direito difuso”, afirma Beatriz.
Índices
De acordo com a pesquisa, as mulheres do Distrito Federal são as que mais têm conhecimento sobre a Lei Maria da Penha — 33%. Em seguida, aparecem os estados do Paraná e Rio Grande do Sul — 29% — e Rio de Janeiro, Santa Catarina e Mato Grosso — 27%.
Por outro lado, as brasileiras das regiões Norte e Nordeste são as que menos têm informações sobre a Maria da Penha. No Amazonas, Piauí e Maranhão, apenas 17% das mulheres conhecem a lei e todos os mecanismos de proteção.
Proteção
O estudo revela ainda que cerca da metade das brasileiras acreditam que a Lei Maria da Penha protege apenas em parte as mulheres contra a violência doméstica e familiar (51%). Outra 29% avaliam que a lei realmente protege.
Medidas protetivas
As medidas protetivas destinadas às mulheres também são muito pouco conhecidas — o tema foi analisado pela primeira vez pelo DataSenado. Apenas 16% das brasileiras afirmam ter conhecimento sobre este importante instrumento legal contra violências.
Alguns estados, no entanto, apresentaram conhecimento acima da média nacional. É o caso do Distrito Federal e Paraná (20%), seguidos de Rio Grande do Sul e Espírito Santo (19%). Mas Amazonas e Pará registraram os piores índices (11%).
Serviços de proteção
Em relação ao grau de conhecimento sobre os serviços que integram a rede de proteção, as delegacias da Mulher são conhecidas por 95% das brasileiras, seguidas das unidades da Defensoria Pública — 87%.
Já os CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) são reconhecidos por 89% das mulheres. Outras 79% conhecem ou já ouviram falar do disque 180.
A Casa Abrigo, por sua vez, é conhecida por 57%, enquanto a Casa da Mulher Brasileira registra somente 38%.
Respeito
A pesquisa mostra que 46% das brasileiras acreditam que, em geral, as mulheres não são tratadas com respeito no Brasil. Outras 46% acreditam serem tratadas com respeito apenas às vezes — 7% avaliam ter tratamento respeitoso.
Mais da metade das brasileiras (52%) apontam a rua como o lugar onde as mulheres são menos respeitadas. O estudo revela ainda que para 17% das brasileiras, a família é o ambiente no qual a mulher é menos respeitada, e para outras 25%, o trabalho.
Machismo e violência
O estudo revela que 62% das mulheres brasileiras têm percepção de que o Brasil é um país muito machista. Em todo país é majoritária a percepção de que a violência doméstica aumentou nos últimos 12 meses (74%).
O levantamento aponta ainda que 68% das brasileiras têm uma amiga, familiar ou conhecida que já sofreu violência doméstica. Outras 30% das mulheres afirmaram ter sofrido algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homem.
Quanto ao tipo de violência sofrida pela pessoa conhecida, a mais predominante é a violência física, reportada por 89% das brasileiras.
Subnotificação
A subnotificação de violência contra as mulheres no Brasil foi de 98,5%, 75,9% e 89,4% para as violências psicológica, física e sexual, respectivamente.
É o que revela estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da University of Washington (EUA) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que estimou a subnotificação no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), com base em dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) para o Brasil e as unidades federadas.
“Geralmente, as violências físicas são as que demandam maior atenção da saúde porque atentam diretamente contra a vida e, muitas vezes, deixam suas vítimas em risco de morte. Além disso, as consequências físicas costumam ser mais visíveis, o que pode elevar o reconhecimento da violência e engajar mais profissionais na notificação desses casos”, diz Nádia Vasconcelos, uma das autoras do estudo.
Tipificação
A Lei Maria da Penha define cinco formas de violência doméstica e familiar.
- Violência física: ações que ofendam a integridade ou a saúde do corpo como: bater ou espancar, empurrar, atirar objetos na direção da mulher, sacudir, chutar, apertar, queimar, cortar ou ferir.
- Violência psicológica: ações que causam danos emocionais e diminuição da autoestima, ou que visem degradar ou controlar seus comportamentos, crenças e decisões; mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir, ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
- Violência sexual: ações que forcem a mulher a fazer, manter ou presenciar ato sexual sem que ela queira, por meio de força, ameaça ou constrangimento físico ou moral.
- Violência patrimonial: ações que envolvam a retirada de dinheiro conquistado pela mulher com seu próprio trabalho, assim como destruir qualquer patrimônio, bem pessoal ou instrumento profissional.
- Violência moral: ações que desonram a mulher diante da sociedade com mentiras ou ofensas. É, também, acusá-la publicamente de ter praticado crime. São exemplos: xingar diante dos amigos, acusar de algo que não fez e falar coisas que não são verdades sobre ela para os outros.

Maria da Penha vai participar de evento do Instituto Conhecimento Liberta no dia 10 de março
Lei Maria da Penha
A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O nome da lei é uma homenagem à Maria da Penha Maia, farmacêutica e bioquímica cearense que sofreu diversas tentativas de homicídio por parte do marido.
Em maio de 1983, ele deu um tiro em Maria da Penha, que ficou paraplégica. Após aguardar a decisão da Justiça por 15 anos e sem resultado, ela entrou com uma ação contra o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em 2001, o Estado brasileiro foi condenado, pela primeira vez na história, por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica.
O marido de Maria da Penha foi preso apenas 19 anos depois, em 28 de outubro de 2002, e cumpriu dois anos de prisão.
Maria da Penha no ICL
O Instituto Conhecimento Liberta vai promover no próximo domingo (10), às 20h, encontro exclusivo com Maria da Penha, que vai reunir Eduardo Moreira, as escritoras Eliana Alves Cruz e Marcia Tiburi e Manuela D’Ávila.
Participe, o evento é gratuito. Clique aqui e garanta sua vaga!
Relacionados
Brasil Paralelo gastou R$ 300 mil em anúncios contra Maria da Penha
Produtora impulsionou 575 anúncios de um documentário que descredibiliza a farmacêutica
Estado irá proteger Maria da Penha após ameaças de extremistas de direita
Além disso, casa onde ela sofreu violência, em Fortaleza, será transformada em memorial
Redes do ICL sofrem onda de ódio e desinformação; Edu Moreira rebate
Comentários tentam defender Marco Antônio Heredia, ex-marido que tentou matá-la