Não sei exatamente quando me tornei fã de esportes, mas definitivamente herdei isso do meu pai que amava nadar. Ele competia quando jovem e era um aventureiro de carteirinha. Aprendi a nadar nas piscinas, mas aprimorei o nado em rios e cachoeiras como modo de sobrevivência, seguindo meu pai.
Ele nadava em mar aberto, amava o oceano. Não à toa, na adolescência, me tornei surfista. Certa vez, aos 17 ou 18 anos, fui para a praia do Tombo, no Guarujá, com alguns amigos. O mar estava enorme, quase três metros de onda quebradeira. Fui advertida a ficar na areia, o mar estava grande demais para mim. Todos foram e eu fiquei.
Meia hora depois, analisando o tempo e a sequência das séries, vi que era capaz de varar aquele mar — e lá fui eu com o meu longboard rosa chiclete.
Furar uma onda, ou massa d’água, com uma prancha de quase três metros é uma tarefa difícil, acreditem. Tomei várias na cabeça, mas entrei e cheguei ao outside. Quando meus amigos me viram ali, remaram em peso em minha direção aos berros dizendo que eu era louca e que ia morrer. Eu era a única mulher no mar naquele dia. E sim, foi um tipo de loucura porque eu não era experiente o suficiente. Mas eu só ganharia experiência em mar grande quando tivesse a coragem de encarar um — e aquele era o dia.
Eles foram categóricos e prevenidos: escolha uma onda intermediária, surfe até o raso, nem pense em pegar a rainha (a maior da série) e não volte aqui.
Fiquei uns 40 minutos deixando as maiores ondas passarem por mim. Do meu lado vi muito marmanjo dropando fundo e saindo d’água com a prancha partida ao meio. Eu não estava com medo porque não tinha a real noção do perigo naquele momento. Estava apreensiva, era algo novo — mas eu estava muito curiosa, antes de tudo.
Meus amigos se comprometeram a surfar atrás de mim para garantir que eu não ia me afogar caso caísse — achei exagero, mas ok.
De repente todos estavam surfando e remando de volta para o fundo, e eu ali, sozinha, ainda esperando a minha onda. Veio uma. Ela não parecia muito grande e não havia ninguém ali para validar minha percepção. Comecei a remar, ela chegou perto e notei que talvez tivesse um tamanho maior do que eu previa — mas ali meu coração já estava super acelerado, o sangue quente, eu sentia o balanço da onda embaixo de mim. Dei uma última olhada para trás, me posicionei embaixo do triângulo e remei desesperadamente.
Quando comecei a puxar os joelhos para subir na prancha, vi um dos meus amigos remando de volta para o outside, bem na minha frente com os olhos arregalados. Deu para fazer a leitura labial: “ca-ra-lh@!!!”
Já era tarde…
Tela preta.
Não, eu não caí! Não quebrei a prancha, não me afoguei. Eu dropei aquela onda, fiquei de pé na prancha, dobrei o joelho, olhei para frente e peguei a maior direita da minha vida. Surfei aquela onda até o raso, até a beirinha, quase na areia.
O sorriso estava frisado no meu rosto, o coração na boca e o sabor salgado era da água do mar e de um riozinho de lágrima que corria no meu rosto.
Foi a única onda que surfei naquele dia. Saí do mar, me sentei na areia sozinha com as pernas tremendo ainda e uma ousadia enorme pulsando dentro de mim. Eu não tinha a menor ideia do tamanho daquela onda — aquilo era absolutamente irrelevante. Eu também não tinha noção do que havia feito e porque havia desafiado as expectativas, passando de espectadora para protagonista.
Aquele foi o que a gente chama no surf, de dia mágico — o maior dia de onda do ano na praia do Tombo, naquela temporada. E, para minha surpresa, descobri depois que eu peguei a maior onda da série. A rainha veio para mim!
Engraçado que comecei essa coluna hoje por um caminho e terminei nessa onda sem planejar, juro. Não tem moral da história nesse texto, mas relembrar aquele momento me fez pensar numa frase da Clarice Lispector: “Eu tenho medos bobos e coragens absurdas.” Nesse sentido, talvez eu ainda seja meio Clarice, meio surfista, meio Vivian.
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