Por José Marques e Fabio Serapião
(Folhapress) — As investigações que levaram ao afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, nesta quinta-feira (24), encontraram mensagens que reforçaram as suspeitas sobre a venda de decisões judiciais na corte.
Parte desse material estava no celular do advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, apreendido em 2021, e tratava inicialmente dos contatos dele com o desembargador Marcos Brito, um dos afastados.
Em diálogos do advogado com Danillo Moya Jeronymo, que tinha cargo comissionado no tribunal, Felix antecipa o resultado de um julgamento em 6 de abril de 2021 e diz que o episódio foi um leilão.
“Vou faturar por 3×2 … Pqp leilão danado kkkk … Cada um quer mais que o outro”, afirmou o advogado, entre risadas.
A reportagem não localizou a defesa dos mencionados pela Polícia Federal.
No dia 8 de abril do mesmo ano, Félix confirma o resultado e reforça que teria comprado o resultado: “Tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 a 2”.
Em diálogo dois anos antes, o advogado afirma a um interlocutor que deve pagamentos a um desembargador, que ele chama de “Gordo”. A Polícia Federal afirma que a conversa se ajusta em processo no qual Marcos Brito era o relator.
A PF afirma que, em um diálogo, Felix pede para o interlocutor “depositar o do Gordo” e que ele “já tá me lingando”. “Não fura”, afirma.
O advogado repete a cobrança no dia seguinte. “Que horas você vai depositar o do Gordo ai, já tá me ligando aqui. Não fura hoje não hem.”
Nos dias seguintes, ocorrem diálogos sobre o depósito do dinheiro e discussões sobre a movimentação do processo.
Felix diz ter efetuado um pagamento de R$ 15 mil e complementa que “ficou macio”. “Lembrei ele que é nove arribas cada e que 15 passou de 10 cabeças. Ficou joia. Ele tava achando que dava 1.500 por vaca lkkk” (sic).
“Nesse trecho, aparentemente Felix está dizendo que o valor combinado com Gordo era o equivalente a nove arrobas/cabeças, e R$ 15 mil ultrapassa 10, pois cada uma corresponde a R$ 1.500,00. Por isso, Gordo ficou satisfeito (‘macio’), ou seja, pagaram a Gordo mais que o combinado”, aponta a investigação.
A PF também menciona a partir de interceptações telefônicas indícios de que houve decisões vendidas pelo desembargador Vladimir Abreu da Silva em 2014.
Em ligação, o então advogado e hoje desembargador do TJ-MS Ary Raghiant Neto diz que tratou com Vladimir e antecipa o possível resultado de um julgamento em favor de um empresário, assim como desdobramentos do processo.
Outra ligação entre o empresário João Amorim e Osmar Domingues Jeronymo, que atualmente é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, também discute decisão de Vladimir tomada no plantão da Justiça, de acordo com a PF.
“No curso da conversa, Osmar Jeronymo menciona que ‘mas quase foi cara, cê num tem noção do que esses caras fizeram, se eu falar pra você as oferendas, cê num tem noção, é um trem de maluco, sorte que a gente tem assim passado, compromisso, entendeu, não é de um dia só, cê entendeu.”
E acrescenta: “Conversas antigas, bons uisques tomados, cê entendeu?”.
Em determinado momento, Felix Jayme trata de venda de decisão com um prefeito do interior do MS.
“Ta barato prefeito. Vale”, diz ele.
Na operação deflagrada nesta quinta, além de buscas e apreensões e dos afastamentos, também há medidas como proibição de acesso às dependências de órgão público, vedação de comunicação entre investigados e uso de tornozeleira eletrônica.
Suspeitas no TJ-MS
Diante das suspeitas, um dos afastados por 180 dias é o presidente do TJ-MS, Sergio Fernandes Martins. Os outros são Vladimir Abreu da Silva, Marco José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel e Alexandre Aguiar Bastos.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afirma que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou “medidas direcionadas exclusivamente a alguns desembargadores, magistrado e servidores” e que elas foram “regularmente cumpridas, sem prejuízo a quaisquer dos serviços judiciais prestados à população e que não afetam de modo algum os demais membros e componentes da Justiça sul-mato-grossense”.
“Os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo”, diz o tribunal.
A corte também afirma que “seguirá desenvolvendo seu papel de prestação jurisdicional célere e eficaz, convencido de que aos desembargadores, magistrado e servidores referidos, será garantido o devido processo legal”.
A ação foi batizada de Ultima Ratio e investiga os crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Judiciário.
Os mandados de busca foram expedidos pelo ministro Francisco Falcão, do STJ, e foram cumpridos por cerca de 200 policiais federais em Campo Grande, Brasília, São Paulo e Cuiabá.
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