Sou Lenio Streck. Avô do Santiago e do Caetano. Professor universitário, constitucionalista, advogado sócio de Streck & Trindade Advogados, fui procurador de Justiça do Rio Grande do Sul durante 28 anos e, vejam só, fui também goleiro. Porteiro. Goalkeeper. Guarda valas. Quase um Yashin, dizem as boas línguas.
Sempre gostei de futebol. Tenho diploma de comentarista de futebol (fui orador da minha turma de formatura). Não por menos, quando criança, na minha Agudo, pedia ao Weihnachtsmann, o bom velhinho (ou não), que me trouxesse uma bola e uma camiseta de goleiro. Um cético daria de ombros: Papai Noel não existe; não para uma criança que, de tão pobre, odiava férias (férias significa ficar em casa; ficar em casa significa trabalhar – e trabalho vem de tripalium, instrumento de tortura). É óbvio que Papai Noel não vem, embora até hoje façamos a árvore de Natal.
Ou será que vem? Não sei. Fato é que eu fui goleiro. Com a bola, a camisa, e até as luvas, que nem imaginava à época. Abaixo, duas fotos: a primeira, de 1974, jogando no Avenida; a segunda, de 2017, no Prerrô F.C, time de advogados no jogo contra o Politeama, do Chico Buarque. (A primeira imagem mostra que as boas línguas têm razão…!)
Pois é. Será que foi o velho Santa Claus quem me deu as luvas e camiseta? Coincidência ou espírito de Natal?
Não sei. O que sei é que sou um incorrigível otimista metodológico. Ajo sempre “como se”. Pudera: estou já há três décadas lutando contra as injustiças do sistema de Justiça. Já perdi muitas, e continuo aqui.
Stoic mujic. Camponês estoico. Eis o meu lema. Cair e levantar.
Sigo. E hoje vai aqui minha cartinha.
Papai Noel, meu primeiro pedido é que as pessoas leiam textos com mais de quinze linhas (o que inclui este).
Você bem sabe, as coisas aqui no direito brasileiro não têm sido fáceis. Ameaças de golpe de Estado quase todos os dias. Dureza. Escapamos de um em 2023. Papai Noel, passe a varinha nessa gente que fica, pateticamente, pedindo golpe e AI-5. Quem pede golpe de estado nunca teve ninguém preso pela ditadura. Eu tive. Papai Noel sabe. Várias vezes contei isso, pedindo para ajudar minha família. Afinal, é o que eles mesmos estão pedindo, pois não? Estou sendo generoso, pois!
Papai Noel, como tem tanta gente falando mal da Constituição e querendo destruir até cláusula pétrea, ajude-me na fundação do movimento salvacionista chamado Unfucking the Constitution (só posso dizer o nome em inglês porque me recuso a dizer palavrões). Ou em francês: Défornication de la Constitution. Já que tem tanta gente querendo fazer o contrário…
Poxa, Pai Natal, por que tem tanta gente que faz faculdade de direito e sai odiando a Constituição? Seus professores seriam analfabetos funcionais? Veja isso pra mim, Papai Noel. E depois me conte.
Nosso ensino jurídico não foi, até hoje, capaz de ensinar — direito — conceitos básicos de democracia? Faça essa gente ajoelhar no milho, Papai Noel. E lhes tire o smartphone. Sem ele, derretem. Sem redes, eles secam.
Papai Noel, diga-me: por que tem tanta gente reacionária no Direito? E na política? E nas mídias? Em que fracassamos?
Papai Noel, recolha todos os celulares cujos WhatsApp fizeram fake news tipo “o artigo 142 da CF coloca as Forças Armadas como poder moderador.” Faça-os ajoelharem no milho (no meu tempo de ensino fundamental era assim).
Mais um pedido: que os alunos das faculdades leiam livros. E que não fiquem consultando a m… do WhatsApp enquanto o professor fala. Passe a vara de marmelo no lombo dessa escumalha, Papai Noel. Ler, sabe? Ler livros. Parece antiquado, eu sei. Mas perdoem minha insistência: acho mesmo que não tem muito jeito. Fazer o quê? Dá trabalho, né? Pois…
Que as pessoas voltem a ler. Livros. Textos sofisticados. Não fake news de whatsapp ou de twitter. E esse negócio de tik tok já está enchendo o saco!
Que advogados e jornalistas não mais sejam desrespeitados.
Que os desembargadores e ministros, durante a sustentação oral das partes, não fiquem olhando os seus tablets; e que prestem atenção no esfalfamento do causídico (ou finjam que estão prestando atenção).
Como se viu, são poucos os pedidos, Papai Noel. Assim como eram poucos os meus pedidos de menino de Agudo, terra do Bagualossauro Agudensis, o mais antigo dinossauro do mundo, encontrado a 3 km de onde nasci. Mais de duzentos e quarenta milhões de anos! Por isso sou um dinossauro da Constituição. Um jurássico.
No mais, querido Papai Noel, queria apenas uma bola, luvas e uma camisa de goleiro. Simbolicamente, coisas simples ainda hoje.
Ah, o pedido final: quando vai terminar a delação Sherazade do Cid? Ou nos conte qual é o conteúdo…!
Feliz Natal aos meus leitores. E leitoras!
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