Por Patrícia Campos Mello
(Folhapress) — Apesar de o bilionário Elon Musk se definir como um “absolutista da liberdade de expressão” e ter protestado contra o que definiu como “tanta censura” do ministro Alexandre de Moraes, o empresário tem cumprido, sem reclamar, centenas de ordens de remoção de conteúdo vindas dos governos da Índia e da Turquia.
Na Índia, o X (ex-Twitter) removeu links para o documentário da BBC “Índia: a questão Modi” após determinação do governo do primeiro-ministro Narendra Modi, no ano passado. O documentário retrata o papel de Modi em um massacre de quase mil muçulmanos no estado de Gujarat, em 2002. Modi governava o estado e é acusado de omissão.
“Vídeos compartilhando a propaganda hostil da BBC World e lixo anti-Índia, disfarçados de ‘documentário’ no YouTube, e tuítes compartilhando links para o documentário da BBC foram bloqueados sob as leis e regras soberanas da Índia”, disse na época Kanchan Gupta, assessor do Ministério de Informação e Radiodifusão da Índia. Ele acrescentou que tanto o YouTube quanto o Twitter, já sob o comando de Musk, tinham cumprido a ordem.
Indagado três meses depois sobre as publicações removidas pelo X, Musk afirmou que não poderia descumprir as leis do país — ao contrário do que prometeu fazer no Brasil sobre liberar contas bloqueadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
“As regras na Índia sobre o que pode aparecer nas redes sociais são muito estritas e nós não podemos violar as leis do país”, disse, em entrevista em abril de 2023.
A Índia tem visto uma crescente erosão na liberdade de expressão sob o governo do primeiro-ministro Modi, da direita fundamentalista hindu.
Musk: removido
Nos últimos meses, o X tem removido sistematicamente publicações contrárias ao governo e banido contas de jornalistas críticos na Índia. Em outubro, por exemplo, bloqueou as contas de dois grupos de defesa de direitos humanos com sede nos EUA — o Hindus for Human Rights (Hindus pelos Direitos Humanos) e o Indian American Muslim Council (Conselho Muçulmano Indo-Americano), críticos a Modi.
Não há números exatos, pois a empresa deixou de publicar relatórios sobre contas suspensas por decisão judicial desde que foi comprada por Elon Musk em 2022.
Como mostrou a Folha de São Paulo, de 2012 a 2022, o Twitter publicou dados semestrais detalhados por país sobre pedidos de informação por parte de governo e exigências legais para remover ou reter conteúdo. O relatório mais recente foi divulgado em 28 de julho de 2022, com dados do segundo semestre do ano anterior.
Sem protestos
O bilionário tampouco protestou contra pedidos de remoção na Turquia, outro país com governo autocrático de direita. Lá, o X restringiu o alcance de centenas de tuítes por ordem do governo de Recep Erdogan nas vésperas da eleição presidencial de 2023.
Em resposta às críticas de um jornalista sobre a restrição de alcance das publicações, Musk disse, pelo X: “A escolha é estrangularem completamente o Twitter ou limitar acesso a alguns tuítes. O que você prefere?”
Além disso, Musk processou a organização Center for Countering Digital Hate (CCDH, centro para combate ao ódio digital) por causa de um estudo que apontava alta no faturamento com anúncios ligados a discurso de ódio após a compra da plataforma pelo empresário. No fim de março, um juiz da Califórnia arquivou a ação, afirmando se tratar de uma tentativa de Musk de silenciar seus críticos. “Essa ação é uma tentativa de punir os réus por causa de seu discurso”, disse o juiz Charles Breyer.
Falso herói
À Folha de São Paulo o presidente do CCDH, Imran Ahmed, afirmou: “Elon Musk se vende como um herói da liberdade de expressão, mas ele moveu uma ação para silenciar minha organização quando fizemos uma pesquisa sobre discurso de ódio na plataforma e determinamos que esse tipo de conteúdo explodiu após ele assumir o X”.
Segundo Khan, Musk “é um hipócrita e um valentão, e não o paladino defensor da Constituição que ele diz ser”.
Uma reportagem do site Rest of the World mostrou que, entre 27 de outubro de 2022 e 26 de abril de 2023, o X recebeu 971 pedidos de governos e sistemas judiciais para remover conteúdo, contas ou fornecer informações privadas de perfis. O X cumpriu 808 deles — uma taxa de mais de 80%. Antes disso, a taxa de cumprimento de ordens de governos pelo X estava em cerca de 50%, segundo a Rest of The World,
Procurada, a assessoria de imprensa do X não respondeu.
Milícias digitais
No último domingo (7), Moraes determinou a inclusão de Musk como investigado no inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas e seu financiamento.
Naquele dia, o empresário havia dito que o magistrado deveria renunciar ou sofrer impeachment. Um dia antes, um perfil oficial da plataforma havia declarado que bloqueou “determinadas contas populares no Brasil”, e Musk retuitou mensagem em que disse que estamos revendo “todas as restrições” e que “princípios importam mais que o lucro”.
Posteriormente, o empresário disse que Moraes se tornou o “ditador do Brasil” e deveria ser julgado por seus crimes.
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