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Valdemar Figueredo (Dema)

Idealizador e coordenador desde 2017 do Observatório da Cena Política Evangélica pelo Instituto Mosaico (www.institutomosaico.com.br). Pós-doutorando em sociologia pela USP. Doutor em ciência política (antigo IUPERJ, atual IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ). Pastor da Igreja Batista do Leme e da Igreja Batista da Esperança, ambas na cidade do Rio de Janeiro.

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O Estado laico francês

O primeiro artigo da série de três sobre o Estado Laico. Notas sobre os laicismos francês, estadunidense e brasileiro
18/02/2025 | 07h30
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Compartilho na coluna algumas notas que fiz a partir da leitura do luminoso livro de Jean-Louis Schlegel, “A lei de Deus contra a liberdade dos homens”. [1]

A pertinência deste regaste histórico é enorme, dadas as confusões que vivemos hoje no Brasil a ponto de o deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) reunir assinaturas para criar a Frente Parlamentar em Defesa do Estado Laico. A iniciativa parece em si contraditória, pois o Brasil é um país laico, segundo a nossa Constituição.

Precisamos mesmo que tal requerimento seja enviado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados? Em tempo de democracia embaçada, o óbvio precisa ser dito assim como a legislação precisa ser lembrada.

Na França, antes do século 19, o então poder absoluto do soberano era legitimado sob o argumento da natureza divina. A religião do soberano era por extensão a religião do Estado. O lema do Antigo Regime: “Uma fé, uma lei, um rei”. Nesse contexto, a ideia de pluralismo não vigorava.

A partir do século 18 na França, as vozes dissidentes miraram no Estado confessional. Criticaram tanto as feições do Estado quanto as ambições públicas da Igreja Católica. Os filósofos Voltaire, Rousseau e Diderot são representativos dessa reação.

Para os revolucionários de 1789, a França católica estava dividida entre “constitucionalistas” e “refratários”. O uso da força determinou o massacre na tentativa de eliminar os refratários e as antigas ordens, sejam religiosas ou políticas. Para instaurar um calendário republicano, julgaram necessário promover uma descristianização radical.

A Concordata foi firmada por Napoleão I com a Igreja Católica em 1801. Não a única, mas a Igreja Católica fora tratada de forma diferenciada por ser a “religião da maioria dos franceses”. Na Revolução Francesa, a Igreja foi duramente atingida. Na Concordata, Napoleão I propunha reconstruí-la ao seu modo.

A igreja seria em alguns aspectos subsidiada, mas não deixaria de ser supervisionada. Jamais poderia assumir posições que contrariassem a coroa. A reforma da relação entre Igreja e Estado na França foi ensejada pelo Estado.

Duas datas que constituem marcos importantes para o tema do qual estamos tratando: a Proclamação da República em 1871 e a aprovação no parlamento em 1905 da separação entre Igreja e o Estado. Os eventos supracitados desencadearam reações hostis da “França refratária”.

A laicização do Estado francês foi um processo unilateral. A Igreja assumiu a postura contrarrevolucionária.

Diante dos dois pêndulos, na sociedade francesa a condição de “não crentes” cresceu (indiferentes, agnósticos e ateus). O contexto sem dúvidas foi o da secularização francesa ocorrida no século 19, reflexo das Luzes do século 18.

Aqui no ICL Notícias, nas suas respectivas colunas, Leonardo Boff, Ivanir dos Santos e João Cezar de Castro Rocha compartilham regularmente reflexões sobre a questão religiosa no Brasil. Intelectuais que com muita propriedade denunciam a onda reacionária promotora de versões atualizadas de intolerância religiosa. O tamanho retrocesso que vivemos no Brasil leva-nos a pensar sobre as origens do laicismo.

No próximo artigo, vou tratar da formação do Estado Laico nos Estados Unidos.

[1] SCHLEGEL, Jean-Louis. A lei de Deus contra a liberdade dos homens. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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