Por Amanda Prado
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, recebeu nessa semana um pedido para que um objeto sagrado iorubá — símbolo da Justiça — seja fixado no plenário da Corte. A demanda partiu do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro) como um desdobramento de uma decisão do STF de novembro do ano passado.
Na ocasião, por unanimidade, o Tribunal entendeu que a presença de imagens católicas no STF não fere a laicidade do Estado e a liberdade religiosa no país. Diante da manifestação da Corte ao reconhecer símbolos cristãos como um tipo de manifestação histórica e cultural, o Idafro pede representatividade das religiões afro-brasileiras no Judiciário.
A proposta é que o tribunal tenha um Oxê, o machado de Xangô, ferramenta da divindade africana associada à Justiça. Na cultura iorubá, com forte predominância no Brasil, “ọṣè” significa “machado de dois gumes”. Diz-se, nas tradições de matriz africana, que o machado de Xangô “corta dos dois lados”, representando a dualidade dos fatos e a justiça imparcial da divindade — cultuada em religiões como a Umbanda e o Candomblé.
Machado de Xangô no STF
O pedido do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro) considera que a inclusão do Oxê no STF seria uma forma de promover a igualdade de tratamento entre diferentes tradições culturais e religiosas. No atual momento do país, esse movimento se torna ainda mais relevante diante de episódios violentos de destruição de templos e ameaças a líderes religiosos que seguem tradições de matriz africana.
Doze lideranças religiosas e seis advogados (liderados por Hédio Silva Júnior) assinam o pedido. O texto elaborado pelo grupo diz: “Historicamente excluídas de direitos básicos, as religiões afro-brasileiras contam com o Poder Judiciário como última ou única instância na qual suas demandas sociais são respeitadas (…) (Trata-se de) postulação igualitária materializada em igualdade de tratamento ao símbolo africano da Justiça vis a vis com o tratamento dispensado ao crucifixo.”
Em outro trecho, o documento assinala: “consignamos que a elevada significação do Oxê para os milhões de brasileiros que professam as matrizes africanas deita raízes em solo baiano, em 1830, data de fundação do primeiro templo afrorreligioso no Brasil, o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, conhecido como Casa Branca do Engenho Velho, dedicado a Xangô, Rei Africano da Justiça”.
TJRJ recebeu machado de Xangô em dezembro
Em entrevista ao ICL Notícias, a Ìyálaṣé Arethuza Doria de Ọya, membro da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da OAB-RJ, informou que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi a primeira instituição do Judiciário no Brasil a aceitar e acolher o símbolo, no último dia de trabalho do tribunal em dezembro de 2024. “Para nós, o Oxê de Xangô não é apenas um símbolo religioso. É um símbolo cultural dos diversos povos pretos que vieram escravizados para o Brasil. Por isso esse diálogo é tão importante. Trata-se de um debate sobre reparação histórica. O Brasil nos deve isso”, disse.
De acordo com ela, mais de 60% das influências e heranças culturais brasileiras é negra. “Nossa luta agora é para o Oxê chegar ao STF. O símbolo que geralmente nos é apresentado como símbolo da Justiça é um símbolo grego, da deusa Ártemis. Isso demonstra a clareza de um racismo estrutural estabelecido. Predomina na mais alta Corte do Poder Judiciário brasileiro um símbolo grego e não um símbolo dos pretos, a real identidade do nosso país”, afirmou Arethuza.

Presidente do TJRJ, Des. Ricardo Rodrigues Cardozo; Humberto Adami Santos Junior, presidente da Comissão da Igualdade Racial do Instituto dos Advogados do Brasil; Des. Wagner Cinelli, presidente do Comitê de Promoção da Igualdade de Gênero e de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios Moral e Sexual e da Discriminação do TJRJ; Mãe Márcia d’Óxum, filha de Mãe Menininha do Gantois; e Arethuza Dória de Omidayè, membro da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB-RJ.
Xangô: divindade que representa a Justiça
Ligado aos trovões e aos relâmpagos, Xangô é conhecido como o guardião da Justiça. Divindade de muita sabedoria, é reconhecida por características que reverberam nas batalhas históricas do povo brasileiro. Na cultura iorubá, o machado duplo, Oṣẹ, representa equilíbrio e neutralidade.
Para a Fundação Palmares, o Oṣẹ Mímọ́ Ṣàngó no Judiciário simboliza a abertura da Justiça brasileira às narrativas e princípios tradicionalmente ignorados, uma forma de contribuir para combater o racismo religioso e educar sobre a importância do respeito à diversidade. Ou seja, a presença do objeto sagrado em um ambiente judicial fortalece o acolhimento igualitário de todas as crenças e destaca a relevância de reconhecer expressões antes marginalizadas como parte da herança de um Brasil plural.

Oṣẹ Mímọ́ Ṣàngó, o Machado Sagrado de Xangô no TJRJ
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