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Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

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O grande mudo

Há muitas dúvidas a serem esclarecidas, caso o general Heleno queira falar
26/01/2024 | 10h05

Desde a campanha eleitoral até os últimos instantes na Presidência da República, Jair Bolsonaro sempre esteve cercado de militares. Alguns fardados eram mais discretos, outros menos. Entre os campeões de falatório, sempre esteve o general Augusto Heleno. Parecia tão à vontade com o avanço do projeto político que apoiou que não apenas falava, também cantava.

Entrou para o anedotário brasileiro o discurso que Heleno fez aos correligionários na campanha, parodiando um samba famoso: “Se gritar ‘pega Centrão’ não fica um, meu irmão”. Referia-se pejorativamente ao grupo político fisiológico ao qual o seu governo se juntaria meses depois, para criar o maior “toma lá, dá cá” da história da República.

Durante a gestão (?) de Bolsonaro, o general continuou falastrão. Primeiro, era visto como o moderado que tentava conter os arroubos do presidente e dava entrevistas botando panos quentes nas barbaridades que o inquilino do Planalto soltava diariamente. Depois foi reconhecido como um extremista, que embarcou cegamente nos devaneios bolsonaristas.

Seja em entrevistas presenciais ou nas redes sociais, por mais de 4 anos os brasileiros tiveram a certeza de que, qualquer que fosse o tema político, o general expressaria seu tortuoso raciocínio ao público.

Após a derrota nas urnas, chegou a dizer a um apoiador do governo, na saída do Palácio da Alvorada, que “Infelizmente” o presidente eleito Lula não estava internado, desmentindo que o petista não tomaria posse por problemas de saúde.

É esse mesmo personagem, com tanto gosto pela verborragia, que mantém agora silêncio absoluto, quando deveria estar dando explicações aos brasileiros.

Afinal, a operação clandestina de um software espião dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que monitorou ilegalmente mais de 30 mil pessoas, aconteceu quando Heleno era o responsável pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). A Abin é subordinada justamente ao GSI.

A busca e apreensão feita ontem pela Polícia Federal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL–RJ), que dirigiu a Abin no governo Bolsonaro, ressaltou os detalhes sórdidos do caso. Teve espionagem sobre o ex-presidente da Câmara, ministros do STF, governador do Ceará, promotora do caso Marielle, entre outras revelações.

Ramagem veio à imprensa dar explicações, o senador Flávio Bolsonaro fez o mesmo, a associação dos servidores da Abin se pronunciou. Só não se ouviu até agora a voz do general Heleno — nem se viu nenhuma postagem dele sobre o tema.

Se a causa do silêncio do ex-ministro do GSI é a falta de questionamentos, aí vão duas perguntas iniciais: Heleno sabia e participou da arapongagem clandestina da Abin? Se não sabia, admite que não tinha controle desse setor, um dos mais sensíveis da máquina estatal?

Há muitas outras dúvidas a serem esclarecidas, caso ele queira falar.

Pela premissa de que os comandantes militares não devem opinar em política nacional e apenas cumprir com discrição os deveres constitucionais, sem se envolver em polêmicas, o Exército durante anos foi chamado de “o grande mudo”.

Desde quando era general da ativa, Heleno nunca seguiu essa linha.

Por isso, é curioso constatar que justamente agora, quando mais deveria falar, o ex-ministro do GSI tenha apertado a própria tecla “mute”.

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