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Por Ingrid Gerolimich*
Em 2024, o Brasil presenciou um aumento alarmante nos afastamentos laborais devido a transtornos mentais, destacando-se a ansiedade e a depressão, que resultaram em quase meio milhão de licenças médicas — um incremento de 68% em relação ao ano anterior, conforme dados do Ministério da Previdência Social. Esse fenômeno sinaliza a emergência de uma epidemia de sofrimento psíquico, cuja origem é indissociável das relações de exploração do trabalho no contexto do capitalismo contemporâneo.
Esse crescimento exponencial dos afastamentos revela, portanto, o colapso de um modelo econômico que transforma a experiência humana em mero capital produtivo. Estamos falando aqui da natureza de um sofrimento psíquico que é produto direto de uma violência sistêmica que aliena todas as dimensões da existência, subjugando-as ao imperativo do lucro.
O “indivíduo bem-sucedido”, como concebido pela lógica neoliberal, não é aquele que busca um equilíbrio entre os diferentes aspectos da vida, mas o que se submete à exaustão constante, onde qualquer interrupção da produtividade é interpretada como um fracasso ou fraqueza. O sujeito neoliberal se vê como um “empreendedor de si mesmo”, em que o corpo se torna uma extensão do capital, e a realização material, o único parâmetro de sucesso.
Em um cenário como esse, o sofrimento assume a forma de sintoma explícito de uma estrutura que trata seres humanos como máquinas, reduzindo-os à sua utilidade econômica. A questão psíquica, portanto, revela-se como o efeito inadiável de um sistema que banaliza a vida, destituindo-a de seu valor intrínseco e reduzindo-a a um recurso descartável no processo produtivo.
Como solução ao sintoma, o capitalismo nos apresenta a medicalização deste sofrimento psíquico, patologizando as manifestações de mal-estar cuja causa está nele mesmo, como forma de tirar do foco as verdadeiras estruturas econômicas e sociopolíticas que as alimentam.
O sofrimento psíquico é então tratado como um problema biológico a ser solucionado dentro do corpo do indivíduo, sem que se analisem as condições externas que geram esse sofrimento. Nesse modelo, a solução para a angústia existencial provocada pelo mundo do trabalho não é vista a partir da necessidade de transformação estrutural do sistema, mas como um processo de (re)adaptação do sujeito a esta engrenagem que, por sua própria natureza, o desumaniza, oprime e adoece.
Uma verdadeira resposta à crise de saúde mental que impera no Brasil e no mundo, portanto, não pode ser a de apenas aliviar os sintomas com medicamentos ou abordagens que apenas reforçam o status quo. É necessário que as estruturas sociais e econômicas que alimentam essa crise sejam confrontadas.
A psicanálise, neste contexto, pode e deve abraçar um papel mais político e engajado, encarando esta natureza do sofrimento psíquico também como uma expressão das falências estruturais de um sistema que nega ao sujeito a possibilidade de um verdadeiro ser-no-mundo, posicionando-se como uma prática de resistência que ajuda a desconstruir as narrativas que associam este mal-estar a falha moral ou desajuste biológico.
Não estou afirmando que a psicanálise deva se distanciar do seu compromisso com a subjetividade individual, de forma alguma, esta é a sua razão de existir. Mas, trata-se de dar as ferramentas para que o sujeito possa compreender a origem também política de seu sofrimento, para que este tenha noção desta lógica perversa que o reabilita para se adaptar novamente ao ritmo extenuante da sociedade de produção, consumo e descarte.
O objetivo é permitir que o sujeito reconheça sua posição dentro de uma estrutura social que perpetua a exclusão, a desigualdade e o desamparo.
Acredito que a psicanálise tem muito a contribuir para este movimento mais amplo de resistência contra as condições que geram esse sofrimento. Em última instância, isso exige uma reconfiguração profunda do conceito de saúde mental, entendendo-a não apenas como uma questão individual, mas como uma questão de justiça social. Este é o nosso desafio.
* Ingrid Gerolimich é psicanalista, socióloga, documentarista e escritora. É autora do livro “Para revolucionar o amor: A crise do amor romântico e o poder da amizade entre mulheres”. Tem artigos publicados e contribuições em veículos como Revista Cult, UOL, Revista Marie Claire, Revista Forum, Revista Carta Capital, Revista TRIP/TPM, além de contribuir como consultora em temas ligados à Psicanálise, Sociologia e Política para outros diversos veículos.
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