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Juliana Dal Piva

Formada pela UFSC com mestrado no CPDOC da FGV-Rio. Foi repórter especial do jornal O Globo e colunista do portal UOL. É apresentadora do podcast "A vida secreta do Jair" e autora do livro "O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro", da editora Zahar, finalista do prêmio Jabuti de 2023.

PGR: Irmãos Brazão se aliaram a milícias para dominar grilagem e votos na Zona Oeste

Denúncia do Caso Marielle no STF desnuda relação dos políticos com submundo do crime no Rio
10/05/2024 | 05h10

Por Igor Mello e Karla Gamba

A denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão — respectivamente conselheiro do TCE-RJ e deputado federal — pela execução da vereadora Marielle Franco desnuda pela primeira vez os vínculos criminosos de uma das famílias mais poderosas da política do Rio nas últimas décadas.

De acordo com as investigações, os dois cooptaram milicianos de diversas quadrilhas da zona oeste do Rio para alavancar seus lucros em atividades de grilagem e formar currais eleitorais.

As 32 páginas da denúncia da PGR mostram que Domingos Brazão, líder político da família, e seu irmão Chiquinho usaram seus cargos e influência política para formarem um condomínio de milicianos na região de Jacarepaguá, reduto político dos dois na zona oeste do Rio.

Nesse sentido, desnuda os mecanismo de influência das milícias na política do Rio.

“Desde o início dos anos de 2000, Domingos Inácio Brazão e João Francisco Inácio Brazão vêm atuando para formar alianças com diferentes grupos de milícias que se encontram em atividade no Município do Rio de Janeiro, notadamente nas regiões de Oswaldo Cruz, Rio das Pedras e Jacarépagua”, afirma a PGR na denúncia.

A parceria entre os Brazão e as milícias eram uma via de mão dupla: por um lado, os milicianos formavam currais eleitorais em prol dos candidatos do clã — no caso do Rio das Pedras, uma das maiores favelas controladas por milicianos no Rio, concentrou cerca de 30% dos votos nas eleições de 2010 e 2014, as últimas que disputou.

Em contrapartida, os Brazão se associavam a eles em lucrativos empreendimentos de grilagem e posterior legalização de terrenos e imóveis. Os irmãos usaram sua influência política para influenciar a política fundiária do Rio de Janeiro.

Segundo as investigações, a oposição de Marielle Franco aos interesses da família nesse tema foi o estopim para que os dois ordenassem seu assassinato. “Interessados no mercado imobiliário irregular, Domingos e Francisco investiram em práticas de “grilagem”, nas mesmas áreas de milícia em que constituíram os seus redutos eleitorais”, explica outro trecho da denúncia.

Família Brazão loteou cargos para milicianos

Domingos Brazão usou a estrutura de órgãos públicos como a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) para lotear cargos para milicianos. Um dos assessores mais próximos do conselheiro no TCE-RJ era o PM Robson Calixto Fonseca, o Peixe, apontado na denúncia como líder de uma milícia no bairro da Taquara, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio.

Calixto foi o responsável por cooptar outro miliciano — Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé, chefe de um grupo paramilitar em Oswaldo Cruz– para executar Marielle. Macalé foi quem convidou Ronnie Lessa para cometer o crime.

Além de Peixe, Domingos Brazão também obteve a nomeação de Katia Lenise Pereira, mãe do filho de Marcus Vinicius Reis dos Santos, o Fininho, uma das principais lideranças da milícia do Rio das Pedras.

Alvo da Operação Intocáveis, em 2019, Fininho fazia pessoalmente campanha com a família Brazão na favela, como mostram registros de redes sociais compilados pela PF.

Outro nome ligado às milícias, nomeado por influência dos irmãos Brazão, foi o advogado Marcelo Bianchini Penna. Ex-funcionário do gabinete de Domingos Brazão, ele chegou a ser preso na Operação Leviatã, em 2009, sob a acusação de atuar como braço jurídico da grilagem de imóveis pela milícia Águia de Mirra, que atuava na Zona Norte da cidade.

Posteriormente, ele foi nomeado pela prefeitura como gestor do Bosque da Freguesia –outro bairro na Zona Oeste sob influência direta da família Brazão.

Bianchini atuou diretamente com os Brazão, segundo a denúncia, na grilagem de loteamentos irregulares na região de Jacarepaguá. Brazão teria nomeado o advogado com o objetivo de “manter a autoridade” sobre a ocupação da Vila Taboinhas, em Vargem Grande, também na Zona Oeste.

“O novo assessor tomou-se, inclusive, advogado da associação de moradores daquele loteamento irregular, funcionando como procurador informal dos irmãos Brazão”, sustenta a PGR.

Os irmãos também mantiveram relações com notórios grileiros na região. O mais famoso deles é Pasquale Mauro, apontado desde a época da Ditadura Militar como o maior grileiro do Rio, e dono de amplas fatias de terra em bairros da Zona Oeste, como Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes.

Em uma intrincada transação, uma empresa de Domingos Brazão comprou por apenas R$ 110 mil um terreno de 10 mil metros quadrados um terreno na Zona Oeste. Na época, a prefeitura avaliou o imóvel em R$ 7 milhões.

Os proprietários, uma doméstica e um eletricista, tinham conquistado a propriedade do imóvel por meio de um processo de usucapião contra Pasquale Mauro cerca de 2 anos antes. Mauro, anos antes, chegou a receber a Medalha Tiradentes, maior honraria do estado, por iniciativa de Domingos Brazão.

“E assim se conclui a história: o terreno permaneceu, por décadas, sob a posse do “grileiro”, foi usucapido por pessoa de reduzida capacidade econômica e posteriormente transferido a Domingos Inácio Brazão, aliado político do possuidor original, a preço módico, em claro ajuste entre os participantes”, resume a PGR.

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