Por Valter Mattos da Costa*
A concepção tradicional dos museus mudou drasticamente nas últimas décadas. Se antes eram vistos apenas como espaços de conservação de objetos e documentos valiosos, hoje se consolidam como locais de interação, pertencimento e memória viva. Esse novo paradigma tem impactos profundos não apenas na forma como entendemos o papel dessas instituições, mas também na relação com os territórios, as comunidades e a educação.
Atualmente, o Museu Vassouras encontra-se em fase final de restauro num prédio histórico, do século 19, que carrega em si as marcas do tempo e das transformações sociais. Ao visitar suas futuras instalações, pude visualizar o potencial deste espaço que não apenas preservará a memória do Vale do Café, no Município de Vassouras, Estado do Rio de Janeiro, mas também ressignificará a relação entre passado e presente.
O Conselho Internacional de Museus (ICOM), ligado à UNESCO, em 2022, revisou a definição de museu para incluir princípios como inclusão, participação ativa das comunidades e sustentabilidade. Esta nova concepção surgiu da necessidade de corrigir uma defasagem histórica: o ICOM teve que “correr atrás” do que já estava acontecendo em diversas partes do mundo. Museus experimentais e instituições inovadoras, muitas delas surgidas de iniciativas independentes e comunitárias, já adotavam abordagens mais dinâmicas e democráticas antes mesmo de essa mudança ser formalizada por organismos internacionais.
O Museu Vassouras está emergindo exatamente nesse contexto. Instalado em uma construção rica em vestígios significativos da temporalidade social, ele une passado e presente, integrando memória e identidade local com as novas demandas populares.
Recentemente, foram realizados encontros sobre produção cultural promovidos por essa instituição, onde os participantes puderam aprofundar a compreensão sobre curadoria e articulação territorial, duas dimensões fundamentais para qualquer espaço museológico comprometido com seu tempo.
Esses encontros abordaram não apenas questões práticas da produção cultural, mas também a necessidade de um museu que transcenda suas paredes físicas. Discutiu-se a relação entre cultura e identidade e como os espaços expositivos podem ampliar vozes historicamente marginalizadas. A interação com diferentes atores sociais, a educação patrimonial e o papel político do museu como um agente ativo na construção de memórias coletivas foram alguns dos temas abordados.
A experiência em alguns museus internacionais permite perceber diferenças entre as abordagens possíveis na museologia. Em Nova Iorque, visitei o Guggenheim, onde o próprio prédio se torna um acervo monumental, muitas vezes ofuscando as exposições em seu interior, e o MoMA, Museu de Arte Moderna de Nova York.
Também conheci o Museu Americano de História Natural e o Museu Nacional do Índio Americano. Cada um desses espaços dialoga com o público de maneira distinta, construindo suas próprias narrativas. No entanto, nem todos estão alinhados, em minha percepção, ao conceito contemporâneo de museu — talvez o MoMA, por ser referência internacional em arte moderna e contemporânea.
No Brasil temos importantes exemplos que, de uma maneira ou de outra, dialogam com este novo paradigma contemporâneo da museologia. É o caso do MASP, em São Paulo, do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, do Museu do Amanhã (projeto arquitetônico assinado por Santiago Calatrava) e do Museu de Arte do Rio (MAR), no Rio de Janeiro.
Em menor ou maior grau, rompem com a lógica do acervo fixo e propõem uma experiência baseada em interatividade, ciência e outras vivências, inserindo-se na discussão sobre cultura urbana e ocupação dos espaços públicos.
Essas transformações impactam a educação. Museus não devem apenas exibir objetos como “templos” sagrados da memória física, mas, com o mesmo grau de importância, emergirem como um “fórum” social, provocando reflexão e incentivando o pensamento crítico.
Os museus precisam ser ferramentas de formação intelectual, conectando-se com escolas, professores e estudantes. O Museu Vassouras, ao promover eventos formativos e abrir espaço para diferentes olhares, está contribuindo para um modelo museológico que atua diretamente sobre o presente e o futuro.
Como editor, compreendo que todo museu é também uma construção de relatos. Ele conta histórias, mas também escolhe quais histórias contar e como contá-las. O Museu Vassouras, ao se posicionar como um espaço vivo, participativo e conectado à comunidade, reafirma a importância de um museu que não se limita a conservar o passado, mas que o interpreta criticamente e o coloca em diálogo com o presente.
A experiência do Museu Vassouras confirma que a museologia contemporânea é mais do que uma tendência. É uma necessidade histórica, fruto de pressões sociais e demandas por reconhecimento cultural. O desafio agora é consolidar essa transformação e garantir que ela atinja o máximo de pessoas possível, criando um legado que ultrapasse a simples noção de preservação e se firme como um agente de mudança.
*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, e doutor em História Econômica pela USP
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