Por Gabriel Gomes
O choro do jogador Luighi, atleta do Palmeiras, após sofrer insultos racistas na partida entre a equipe paulista e o Cerro Porteño, pela Libertadores Sub-20, no Paraguai, comoveu e revoltou milhares de brasileiros na última quinta-feira (6).
As imagens da transmissão da TV mostraram um homem imitando um macaco no Estádio Gunther Vogel, em Assunção. Na entrevista ao fim do jogo, Luighi, em lágrimas, cobrou do jornalista o fato de não fazer perguntas sobre o ocorrido.

Luighi, atleta do time sub-20 do Palmeiras, após sofrer insultos racistas. (Foto: Reprodução)
O caso gerou enorme repercussão. Nesta segunda-feira (10), na partida entre Palmeiras e São Paulo, pela semifinal do Campeonato Paulista, torcedores palmeirenses ergueram os punhos contra o racismo e a agressão sofrida por Luighi. A presidente do Palmeiras, Leila Pereira, chegou a levantar a ideia de que os clubes brasileiros saiam da Conmebol, caso não sejam aplicadas punições severas.
Após a repercussão, a Conmebol, organizadora do campeonato, aplicou uma multa no valor de 50 mil dólares (cerca de R$ 288 mil) a serem pagos no prazo de 30 dias a partir da notificação. O Cerro Porteño também está proibido de ter a presença torcedores nos duelos da equipe durante a Libertadores sub-20. Muitos torcedores, no entanto, classificaram a punição como branda.
Longe da América do Sul, o jogador brasileiro Wendel foi vítima de racismo durante um jogo do Campeonato Russo. O incidente ocorreu na vitória do Zenit sobre o Voronezh, onde Wendel foi expulso, no último domingo (9). Na Espanha, o atleta Vinícius Junior, do Real Madrid, tem sido alvo constante de insultos racistas.
O ICL Notícias conversou com o fundador e diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, que monitora casos de racismo no esporte. Marcelo avalia que as punições, sobretudo em casos de reincidência, deveriam ir além de multas e campos fechados.
“A gente precisa pensar em perda de pontos, desclassificação do campeonato, mas isso é algo que eu tenho certeza que não vai acontecer de um dia para o outro”, avalia.
Leia a entrevista com Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol
ICL Notícias: Despertou muita atenção o caso de racismo sofrido pelo atleta Luighi, do Sub-20 do Palmeiras. Como você enxerga a persistência desses casos, em competições sul-americanas sobretudo?
Marcelo Carvalho: A gente precisa refletir de que maneira outros países enxergam a questão do racismo. A gente vai ver que o que a gente classifica como racismo, que é o gesto e o xingamento de ‘macaco’, é entendido em outros países como folclore e eles vão sempre repetindo isso. A gente precisa trabalhar mais essa questão e esses países precisam entender que isso é racismo, isso está na regra do jogo, tanto da Conmebol quanto da Fifa. Tenho certeza que a questão é cultural.
A Conmebol, após a repercussão do caso do Luighi, anunciou uma punição ao Cerro Porteño, com multas e portões fechados. Como você avalia a punição?
Essa punição está dentro das punições que são impostas pela Conmebol, geralmente são multa e, em caso de reincidência, jogos com portões fechados.
Para mim, que analiso e acompanho os casos, não foi nada inesperado, foi tudo dentro do que já é o padrão da Conmebol. O que muitas pessoas estão cobrando é que essa punição não tem diminuído os casos.
Qual seria a punição ideal? Considera que a Conmebol deveria ir além da multa e dos portões fechados?
Principalmente para casos de reincidência, a gente precisa pensar na perda de pontos. Já que a multa não está tendo a consequência que a gente espera, que é a diminuição dos casos, precisamos pensar em punições maiores. A gente precisa pensar em perda de pontos, desclassificação do campeonato, mas isso é algo que eu tenho certeza que não vai acontecer de um dia para o outro.
É preciso de uma cobrança, envolvimento dos clubes e das federações, é algo que a gente precisa trabalhar muito para que aconteça.

Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol. (Foto: Reprodução/ TV Globo)
Com a repercussão, o caso do Luighi pode ser um divisor de águas para maiores punições dos casos de racismo no futebol?
Precisamos ter muito cuidado porque o caso do Luighi aponta muito para o cenário sul-americano, mas a gente tem muitos casos de racismo no futebol brasileiro. O Observatório, no início deste ano, já está monitorando cerca de 12 casos de racismo no Brasil em competições estaduais.
Devemos ter calma e precisamos cobrar da Conmebol, correto. Mas, temos que olhar para o nosso cenário, que é tão preocupante ou mais. Que essa mobilização também aconteça quando os casos são aqui dentro do Brasil. Baseado nisso, não acredito que o caso do Luighi será um divisor de águas.
Como a CBF lida com esses casos no futebol brasileiro? As punições são maiores que as aplicadas pela Conmebol?
A CBF fez uma alteração no regulamento de competições prevendo punições administrativas maiores do que a Conmebol. A CBF está um passo adiante e tem trabalhado até mesmo com grupos de trabalho conversando sobre a questão e com um envolvimento um pouco maior do presidente da CBF, que é o primeiro homem negro a presidir a instituição.
Também há inúmeros relatos, quase a cada rodada, de casos de racismo contra atletas brasileiros no exterior. O mais recente foi o do jogador Wendel, na Rússia. Como você vê essa questão?
O cenário nacional é muito mais avançado na própria questão de debate, nós debatemos muito mais o racismo, a questão da conscientização e educação no Brasil é muito maior, o movimento negro é maior e nossos atletas estão muito mais conscientes. E aí, quando eles vão jogar fora estão se deparando com um cenário em que eles estão denunciando o que está acontecendo.
Muitas vezes, os casos já aconteciam, mas os atletas encaravam como parte do jogo. Hoje, estão percebendo e se conscientizando que o racismo é crime e que eles precisam participar da mudança. Participar da mudança é denunciar, é cobrar punição. A mudança é ter esse posicionamento que o Luighi teve de ir além da denúncia no campo.
Em muitos países, os casos de racismo não são considerados crime e aí, a gente vai se deparar com casos de jogadores brasileiros sofrendo preconceito quase a cada rodada, como com o Vinicius Junior, ou no Leste Europeu, que já é algo recorrente.
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