ICL Notícias
Chico Alves

Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

Colunistas ICL

Religiões de Matriz Africana continuam na luta por igualdade de direitos

Queremos igualdade de direitos para que possamos continuar vivendo de forma digna, cultuando e valorizando nossa ancestralidade
21/10/2023 | 05h32

Como pensar em igualdade de direitos para as religiões ou culturas de matriz africana, se o acesso a direitos em nosso país nunca foi pensado para a população desses segmentos religiosos e culturais?

Tendo uma grande parcela de pessoas negras, e, consequentemente, os desassistidos, as religiões de matriz africana historicamente sempre foram alijadas de participar das decisões politicas e culturais do Brasil. Com a escravidão e a pseudoabolição, fomos largados à própria sorte, sem direitos à terra, moradia, saúde e todas as necessidades básicas da pessoa humana.

Sequestrados do continente africano, os negros e negras escravizados, trouxeram consigo não somente a sua cultura e religiosidade, mas também diversos conhecimentos, como a agricultura, metalurgia, seus saberes medicinais, a partir do conhecimento das plantas utilizadas nos rituais e uso terapêutico, e sua culinária.

A mão de obra nunca remunerada foi um dos fatores da construção das riquezas desta nova ação e também foram estes corpos que cedo foram ceifados pelo trabalho escravo.

Os povos sequestrados vieram de regiões diversas da África, com suas filosofias próprias e cosmopercepções distintas.

Um dos mecanismos de negação e aniquilamento destes povos por parte dos colonizadores foi desarticular quaisquer resquícios de identidade e valorização de suas identidades culturais e religiosidade (espiritualidade) ancestral. Apagar de seus corpos e mentes  valores fundamentais de dignidade humana e conexão com sua terra e ancestralidade negra.

Esta hegemonia colonial se encarregou de nos transformar em peças, nos coisificando, nos tirando a humanidade e os direitos. Povos bantos, iorubás, Jejes, todos misturados, como forma de não nos fazermos nos entender e consequentemente não nos articularmos.

Pois é, “o tiro saiu pela culatra”.

Nos reinventamos, criamos o Candomblé, uma tradição de matriz africana, ressignificada em solo brasileiro a partir desta afrodiáspora cultural e religiosa.

Trocamos entre nós, cunhamos nossos direitos nesses quilombos de resistência para reexistir. Os povos originais foram nossos parceiros e parceiras na resistência de ressignificados culturais, onde os cultos afroindígenas puderam se fazer presentes e resistentes entre nós, com a Umbanda e os Candomblés de Caboclos.

Perseguidos e violados em nossos direitos fundamentais, temos a Constituição Federal de 1988 (Constituição cidadã) que nos assegura a liberdade de exercício de nossa religiosidade e cultura, mas que não é respeitada pela sociedade brasileira e grupos religiosos fundamentalistas, racistas e fascistas, que não reconhecem os nossos direitos e, consequentemente, a Carta Magna.

A grande verdade é que em um Estado Democrático de Direito, ao menos no que diz respeito às tradições de matriz e motriz africana e sua população (adeptos/as), os direitos continuam a nos ser negados. Mesmo porque não fomos nunca consultados sobre a construção e planejamento dos direitos que pensamos ter.

Em um país que foi forjado na escravidão, colonização e ideias de supremacia e subjugação do outro, o que podemos esperar?

O reflexo histórico destas atrocidades continuam a estar presentes nos dias de hoje, se justificando nos ataques violentos contra as comunidades de matriz africana, suas lideranças e adeptos, nos desterritorializando, seja com os avanços violentos que se tornaram comuns aos nossos locais de culto, seja em áreas publicas ou privadas, sem a devida atenção das autoridades publicas do Estado Brasileiro.

Não, não queremos ser iguais.

Queremos igualdade de direitos para que possamos continuar vivendo de forma digna, cultuando e valorizando nossa ancestralidade por um bem viver, contribuindo por uma sociedade diversa e plural, étnica, racial, sexual, cultural e religiosa.

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer!”

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail