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Xico Sá

Escritor e jornalista, faz parte da equipe de apresentadores do ICL Notícias. Com passagem por diversas redações e emissoras de tv, ganhou os prêmios Esso, Folha, Abril e Comunique-se. Participou de programas como Notícias MTV, Cartão Verde (Cultura), Redação Sportv, Papo de Segunda (GNT) e Amor & Sexo (Globo). É autor de Big Jato (Companhia das Letras) e A Falta (Planeta), entre outros livros. O colunista nasceu no Crato, na região do Cariri cearense, e iniciou sua trajetória profissional no Recife.

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Réquiem para Vital Farias, cantador das sagas brasileiras

Artista paraibano morreu nesta quinta (6/02), vítima de infarto. Deixa uma história de sucessos, combate à Ditadura e brasilidade
08/02/2025 | 12h27
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Veja você, cantor é aquele que canta segundo as circunstâncias — inclusive as condições de contrato, a busca do sucesso, as exigências profissionais que o fazem cantar, em muitas ocasiões, de fora para dentro. Cantador, segundo Xangai, é o que canta de dentro pra fora — eternamente.

Veja você, por isso que é mais triste quando parte um cantador do que qualquer outro artista, pois lá se vai alguém que traduz aquele aperto no peito que a gente não saberia decifrar sem uma das suas cantigas. Um tradutor das dores do mundo quando a vida aperta de um jeito que nos deixa em dúvida: é infarto ou desespero?

Veja você, quando parte um Vital Farias, não é apenas questão de ficar triste tal o blues do assum preto lá no sítio Pedra d’Água, município de Taperoá, no Cariri da Paraíba, a terra do homem feito de barro e berro. É profundissimamente, como no advérbio do também paraibano Augusto dos Anjos, um desmantelo inalcançável.

Veja você, não cabe em nota oficial de autoridade, seja prefeito, governador ou presidente, o sentimento dessa hora. “Sem palavras” também não abarca, por mais que o silêncio tenha mais força que o alarido das repartições.

Veja você, arco-íris não mudou de cor, “arco-íris ficou apenumbrado”, repare que homenagem fez a Farias Jessier Quirino, homérico narrador das epopeias e miudezas nordestinas.

Veja você, digo, ouça: Vital com Elomar, Geraldo Azevedo e Xangai, no vinil “Cantoria”, tem o volume 1 e o 2. Dois discos que mostram, giro a giro da agulha, a real diferença entre cantores e cantadores. Esqueça os provençais, troveja aqui nos sertões.

Veja você, Vital Farias, o popular e o erudito, fez parte também de “Gota d’Água”, a tragédia greco-brasileira de Chico Buaque e Paulo Pontes, em 1975, no Rio de Janeiro.

Sem se falar, veja você, no nó que o trovador paraibano deu na Ditadura para levar “Alice no curral das maravilhas”, uma das suas canções mais emblemáticas no tempo das trevas: “Afinal, eu não posso dizer/ Que esse grito contido em segredo/ É uma simples projeção do medo/ Cada canto que se cante nessa casa/ Cada berro, tropicale-se/ Na hora”.

Ah, você há de sussurrar aí no canto da sala, pena esse flerte com a direita no tempo das eleições, um cara tão combatente, como pode ter acontecido isso com o bardo?! Besteira, menino, não pega nada nem fica nódoa, todo mundo tem seus desenganos, foi apenas um piado de um vim-vim, noves fora nada no conjunto de vida & obra de um cantador inimitável.

Veja você, seu Vital, lhe ouvia na Patamuté FM, rádio de Cajazeiras, no dia em que parti pra cidade garantida, proibida, o Recife das revoluções e gaias amorosas. O “trem da consciência” apitou na serra das Antenas — ou terá sido na Serra das Almas? — e seguiu para o sítio Seio de Abraão, onde se perdeu nas brumas do semiárido. Até outro dia, homem das sagas.

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