Por Amanda Miranda — Newsletter Passando a Limpo
O governo de Santa Catarina, liderado pelo bolsonarista Jorginho Mello, tem pelo menos R$ 15 milhões empenhados do Programa Educação Básica com Qualidade e Equidade na Secretaria de Comunicação. O objetivo, segundo consta no Portal da Transparência, é a operacionalização da veiculação de mensagens de utilidade pública, de caráter educativo e/ou informativo nos veículos representados pela Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert).
A Acaert “trabalha em prol da profissionalização e fortalecimento do segmento das emissoras de rádio e televisão de Santa Catarina” e tem como princípios a “valorização da programação regional, profissionalização do radiodifusor, fortalecimento dos seus associados, incentivo ao crescimento do mercado, valorização das pequenas emissoras, além da preocupação com as soluções dos problemas comunitários”.
Tem 260 emissoras de rádio e 24 emissoras de televisão associadas e, no seu conteúdo institucional, não registra seu papel educativo.
Em contrapartida, o Programa Educação Básica com Qualidade e Equidade é um dos principais orçamentos da Secretaria da Educação do Estado, atrás apenas do caixa de onde saem os pagamentos de pessoal e programas de formação.
No total, já tem empenhados, em 2024, cerca de R$ 1,5 bilhões para as mais diversas finalidades, incluindo também recursos para a Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) e para a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Essas duas últimas, entretanto, somadas, garantiram R$ 7,2 milhões — menos da metade do que foi destinado à comunicação, ainda que a Educação seja sua primeira finalidade.
Na pasta da comunicação, a verba da Educação é a segunda mais volumosa do orçamento total. O orçamento da área é pulverizado para o pagamento de fornecedores e de mídia. Entre os credores, estão a NSC TV Florianópolis, retransmissora da Globo, que recebeu R$ 7,5 milhões em 2024, e a NDV TV Florianópolis, retransmissora da Record, com R$ 6,5 milhões. Ambas também são associadas a Acaert.
Governo cobrado por investimentos em Educação
Paralelamente, o governo vem sendo cobrado quanto aos investimentos em Educação. Em abril deste ano, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte) entrou em greve para solicitar mudanças na carreira e um novo concurso para professores efetivos. Na quarta-feira (18), o sindicato anunciou considerar insuficiente o projeto de lei enviado pelo governo à Assembleia Legislativa como parte do acordo que pôs fim ao movimento.
A constituição federal exige que os governos estaduais e municipais devem usar no mínimo 25% da receita de impostos para educação. Segundo o professor Marcos Bassi, do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, a regra protege os recursos necessários à área. Ele lembra que, tanto no período do Estado Novo quanto ao longo da ditadura militar, o campo do ensino ficou desprotegido, fazendo com que a medida de vinculação orçamentária fosse necessária.
Bassi também explica que a Lei de Diretrizes e Bases traz um detalhamento do que pode e do que não pode ser considerado como despesa de manutenção e de ensino. A remuneração e o aperfeiçoamento de pessoal, a aquisição de material, o transporte escolar, a aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos estão entre os investimentos permitidos.
Por outro lado, há outros, de natureza mais imprecisa, como o uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino e a realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino. No campo das proibições, a lei não permite, por exemplo, obras de infra-estrutura e subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural
Assim como o governo do Estado, prefeituras também operam os cofres da educação pagando despesas que podem levantar dúvidas quanto à sua finalidade educativa. Em Joinville, por exemplo, o prefeito Adriano Silva (Novo), candidato à reeleição, usou rubricas da educação em contrato para uma obra de turismo que teria como uma de suas finalidades atividades educativas e escolares.
Em debate, ele chegou a ser confrontado pelo adversário Rodrigo Bornholdt (PSB), mas explicou que a verba da educação será usada para um laboratório de botânica, parte da obra do Palácio das Orquídeas.
Em Mafra, no Planalto Norte do Estado, o também candidato à reeleição Emerson Maas (MDB) utilizou verbas do Fundo Municipal de Educação de Mafra para a promoção do III Festival de Inverno, que ocorreu em julho, com organização da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Cultura.
Educação tem demandas urgentes
De acordo com Bassi, os gastos em educação passam pelo escrutínio do Tribunal de Contas do Estado e são lidos a partir daquilo que a legislação assegura como manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). Ainda assim, para ele, é possível que articulações políticas suavizem eventuais punições ou registros de conta irregular.
O professor aponta o que, para ele, caracterizaria um rol de boas práticas de uso do orçamento público em Educação. “A remuneração dos professores é fundamental, com concurso público para ingresso de efetivos e formação. É preciso que a carreira seja atrativa para não haver vínculos precários”, justifica.
Bassi também aponta que investir em escola em tempo integral e ampliar a oferta de vagas na educação infantil seriam outras demandas urgentes para a melhoria da qualidade nos investimentos. Ele também argumenta que há críticas de vertentes liberais que apontam que o estabelecimento dos 25% mínimos para se investir na área poderiam engessar o orçamento público, mas para ele se trata de uma proteção necessária.
A Acaert foi procurada para falar sobre os projetos junto ao governo do Estado e sua finalidade educativa e respondeu que o serviço é de “veiculação de inserções em rádio e TV”. A secretaria de Educação de Santa Catarina foi procurada, mas não se manifestou.
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