Por Matheus Teixeira
(Folhapress) — O STF (Supremo Tribunal Federal) abriu margem para rever a própria decisão de setembro de 2023 que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, que estabelece a Constituição de 1988 para demarcação de terras indígenas.
O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, criou uma comissão de conciliação para tentar um consenso entre povos originários e o agronegócio sobre o tema e realizou, nesta segunda-feira (5), uma primeira audiência.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), no entanto, pediu ao magistrado que anule a tentativa de conciliação e fez duras críticas a ele.
STF: marco temporal
O STF derrubou o marco temporal em 2023 e, logo depois, o Congresso aprovou uma lei para restabelecer a tese, segundo a qual a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
“O despacho do ministro sugere que o ataque do sistema político aos direitos constitucionais dos povos indígenas, representado na Lei 14.701/2023, merece ser ponderado em uma mesa de conciliação. Na prática, premia-se a desobediência, a infidelidade, o descompromisso com a Constituição”, disse a Apib.

Indígenas na primeira reunião da comissão especial de conciliação designada pelo ministro Gilmar Mendes para tratar das ações do marco temporal (Foto: Gustavo Moreno/STF)
O ministro, por sua vez, fez um discurso em que tratou a audiência como uma possibilidade de pacificação do tema, que divide indígenas e o agronegócio há anos.
Gilmar disse que é “curioso observar” que a instauração da comissão tenha gerado protestos de vozes que “rotulam esta mesa de debates como bazar de negócios”.
“Esquecem que não há verdadeira pacificação social com a imposição unilateral de vontades e visões de mundo. Ignoram que sem diálogo honesto, tolerância e compreensão recíproca nada surgirá, muito menos a afirmação de direitos fundamentais”, afirmou.
Bastidores
Nos bastidores, entidades ligadas às duas partes acham improvável que se chegue a um consenso sobre o marco temporal. No entanto, há expectativa de que o diálogo facilite a construção de uma solução sobre outros trechos da lei aprovada pelo Congresso no fim de 2023.
Um deles diz respeito à regulamentação para pagamento de indenização prévia a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas, o que já foi aprovado pelo STF e pelo Legislativo e é atualmente rechaçado por entidades que representam os indígenas.
Outro ponto é a possibilidade de haver atividade econômica em terras de povos originários em cooperação com povos não tradicionais.
Nesta segunda-feira, Gilmar Mendes tentou tranquilizar os povos originários sobre a criação da comissão de conciliação.
“Escapa-lhes também que, independentemente do resultado das discussões travadas nesta Comissão, seu conteúdo será submetido ao crivo do Plenário do Supremo Tribunal Federal. E esta corte já comprovou, sobretudo nos últimos anos, que não hesita na proteção de direitos fundamentais”, afirmou.
Entidades: críticas
As entidades veem ainda a instalação da conciliação como uma forma de o STF pressionar os indígenas a cederem em alguns pontos e encontrar uma maneira de o tribunal não se indispor novamente com o mundo empresarial ligado à agricultura.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, participou do encontro, fez um discurso em defesa dos povos indígenas e pediu entendimento. “Conciliação, sempre que possível, é melhor do que o conflito. Se for possível chegar a um termo comum é extremamente positivo. Antes da votação, ninguém pode ter certeza plena de que a lei será declarada inconstitucional ou constitucional”, disse.
“Ninguém deve participar desse debate, desse esforço achando que já ganhou. Acho que é uma construção coletiva que se vai fazer e depois se dá a votação”, disse.
E prosseguiu: “Embora caiba ao STF a interpretação final sobre o sentido da Constituição e das leis, considero desejável encontrar solução que consiga harmonizar, se for possível, diferentes visões”.
SAIBA MAIS:
STF faz primeira audiência de conciliação sobre marco temporal
Leia também
Relacionados
STF retoma julgamento sobre restrições para vasectomia e laqueadura
Flávio Dino e Nunes Marques já votaram; julgamento será retomado com voto de Zanin
STF tem maioria para tornar réus deputados do PL acusados de desvio em emendas
Supremo julga caso em que parlamentares exigiam propina de prefeito no Maranhão
Moraes envia para análise da PGR defesas de Bolsonaro, Braga Netto e outros denunciados
Ministro do STF enviou a PGR os documentos de 20 implicados na trama golpista