Por Cézar Feitosa
(Folhapress) — A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) inicia nesta segunda-feira (19) a fase de depoimentos das testemunhas do processo sobre a trama golpista que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros réus.
As primeiras pessoas a serem ouvidas serão as indicadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República), com destaque para o ex-comandante do Exército general Marco Antônio Freire Gomes.
O militar foi o primeiro a confirmar à Polícia Federal que Bolsonaro o convocou para uma reunião no Palácio da Alvorada, em dezembro de 2022. Ele disse aos investigadores que o então presidente apresentou aos chefes militares o documento que ficou conhecido como minuta golpista, que previa intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) após as eleições.
“Que confirma que o conteúdo da minuta de decreto apresentada foi exposto ao declarante nas referidas reuniões. Que ressalta que deixou evidenciado a Bolsonaro e ao ministro da Defesa [general Paulo Sérgio Nogueira] que o Exército não aceitaria qualquer ato de ruptura institucional”, disse Freire Gomes, segundo o termo de depoimento.
O ex-chefe do Exército afirmou à Polícia Federal que o documento apresentado por Bolsonaro tinha conteúdo idêntico à minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres –também réu pela trama golpista.
O general conta ainda que o chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teria concordado com a proposta de ruptura democrática apresentada pelo ex-presidente.
“Que ele e Baptista [Júnior, ex-chefe da Aeronáutica] afirmaram de forma contundente suas posições contrárias ao conteúdo exposto. Que não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude. Que acredita, pelo que se recorda, que o almirante Garnier teria se colocado à disposição do presidente da República”, disse o militar, segundo a PF.
O depoimento de Freire Gomes foi uma das bases da denúncia da PGR contra o núcleo central da trama golpista — o órgão fatiou a denúncia segundo o que seriam os grupos de atuação.
Freire Gomes e o ex-chefe da Aeronáutica foram as únicas testemunhas do círculo militar que admitiram ter conhecimento das conspirações no Palácio da Alvorada no fim de 2022.
As declarações do ex-comandante do Exército se tornaram conhecidas em março de 2024, quando ele já estava na reserva. Ele decidiu submergir diante de sua exposição pública.
A Folha conversou com sete oficiais-generais que conviveram com Freire Gomes no fim de 2022. O sumiço do ex-comandante é motivo de preocupação para alguns. No fim do último ano, um grupo de oficiais até planejou fazer uma confraternização para reencontrar colegas.
O encontro tinha como único objetivo integrar Freire Gomes após um longo período distante do QG do Exército. Ficou acertado que pediriam pizza. O general comunicou que não iria, e o evento acabou cancelado.

Militar foi o primeiro a confirmar à Polícia Federal que Bolsonaro o convocou para uma reunião no Palácio da Alvorada, em dezembro de 2022. (Foto: Divulgação/ Exército)
Outro oficial-general próximo de Freire Gomes disse que o encontrou somente uma vez após o fim do governo Bolsonaro. Conversaram amenidades por duas horas enquanto bebiam uísque. Não tocaram no assunto das investigações da Polícia Federal.
São diversos os motivos pelos quais o depoimento de Freire Gomes é um dos mais esperados pelas pessoas envolvidas no processo sobre a trama golpista.
A acusação espera que o general reforce o testemunho sobre as pressões por um golpe de Estado que recebeu no fim de 2022. As defesas pretendem aproveitar possíveis deslizes do militar para questionar seu depoimento. Os generais querem o fim do processo para o colega voltar aos círculos militares.
Os depoimentos devem ter início às 15h desta segunda. A imprensa poderá acompanhar a audiência por videoconferência dentro do plenário da Primeira Turma do STF — com a proibição de gravar áudios e vídeos do depoimento, sob pena de responsabilização criminal.
Audiências no STF
O primeiro dia de audiências terá os depoimentos de Freire Gomes, Clebson Ferreira de Paula Vieira (ex-integrante do Ministério da Justiça), Adiel Pereira Alcântara (ex-diretor da PRF) e Éder Lindsay Magalhães Balbino (dono de empresa contratada pelo PL para fiscalizar o processo eleitoral).
O ex-comandante da Aeronáutica brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior teve o depoimento adiado para quarta-feira (21). Ele está em viagem, fora do país.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, havia indicado o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), como a última de suas testemunhas. O procurador desistiu da inquirição do emedebista na sexta (16).
As testemunhas das defesas só serão ouvidas após as pessoas indicadas pela acusação. O Supremo vai dedicar duas semanas para os depoimentos.
Como a Folha mostrou, as audiências com as testemunhas arroladas pelas defesas correm o risco de ficarem esvaziadas, pois o ministro Alexandre de Moraes decidiu não intimar as pessoas indicadas pelos réus –assim, a presença deixa de ser obrigatória.
Para contornar a dificuldade, as defesas dos réus têm recorrido a estratégias diversas para garantir a presença das testemunhas. Algumas têm notificado as pessoas por um aviso de recebimento, e outras procuram os depoentes individualmente e tentam convencer da importância da participação na audiência.
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