Por Cleber Lourenço
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juíza Luciana Conforti, conversou com o ICL Notícias e classificou como grave e ameaçadora à efetividade dos direitos trabalhistas a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu nacionalmente todos os processos que discutem a licitude da contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas.
A decisão, tomada no âmbito do Tema 1389 da repercussão geral, tem gerado preocupação entre juristas, magistrados e entidades da sociedade civil.
“A suspensão das ações trabalhistas que discutem fraudes aos contratos de trabalho compromete a efetividade dos direitos previstos na CLT”, afirmou Conforti. Segundo ela, a medida impede que milhares de processos sejam julgados, ampliando o tempo de indefinição jurídica e atingindo diretamente os trabalhadores mais vulneráveis.
“Só em 2024 foram ajuizados mais de 450 mil processos com discussões sobre a existência de vínculo de emprego”, destacou. A juíza também chama atenção para o perfil socioeconômico dos autores dessas ações, que em sua maioria recebem menos de dois mil reais mensais, o que evidencia o impacto da suspensão sobre a população mais frágil e desassistida.
Conforti também criticou o entendimento que sustenta a decisão: o de que a forma contratual pode prevalecer sobre a realidade da prestação de serviço. Para ela, trata-se de uma afronta direta ao princípio da primazia da realidade, que é basilar no direito do trabalho. “Quando presentes os requisitos do contrato de emprego, não importa o tipo de contrato que foi formalizado. Há previsão na CLT de que atos praticados para fraudar os preceitos da Consolidação são nulos de pleno direito.”
A magistrada alerta que o reconhecimento da licitude da pejotização sem análise da realidade fática pode abrir caminho para a eliminação de direitos como jornada, férias, FGTS e 13º salário, transformando direitos constitucionais em meras expectativas. “No caso de vir a ser confirmada a interpretação de que é lícita a contratação de qualquer trabalhador como autônomo ou pessoa jurídica, esses direitos deixarão de ser devidos”, afirmou.
Pejotização: trabalho sem direitos
Ela também alerta para o risco de esvaziamento do artigo 9º da CLT e para o precedente que pode inviabilizar o reconhecimento de fraudes. Para Conforti, a decisão indica que a existência de fraude teria de ser previamente reconhecida pela Justiça Comum para só então ser apreciada pela Justiça do Trabalho, o que compromete o acesso à jurisdição especializada e inverte a lógica protetiva do Direito do Trabalho.
Sobre o impacto institucional, Conforti afirmou que compartilha da preocupação de que a suspensão generalizada das ações possa inviabilizar o funcionamento da própria Justiça do Trabalho. A juíza reforçou que as críticas do STF à atuação trabalhista desconsideram a competência constitucional do ramo e a sua especialização técnica.
“É preciso que a Justiça do Trabalho seja reconhecida, não só no que toca à sua competência constitucional pelo STF, como também como segmento de Justiça especializado, que integra o Poder Judiciário federal e que tem cumprido com eficiência, técnica e efetividade a sua missão institucional, há mais de 80 anos.”

O ministro Gilmar Mendes suspendeu todas as ações sobre pejotização (Foto: Andressa Anholete/STF)
Um dos principais pontos de divergência, segundo Conforti, é a interpretação de que a pejotização estaria contemplada no julgamento da ADPF 324, que tratou da terceirização ampla. Para ela, o STF incorre em erro ao equiparar as duas figuras.
“Na terceirização existe uma empresa, que contrata outra empresa, e esta é a empregadora do trabalhador terceirizado. Já na pejotização, a figura da empresa contratada deixa de existir, porque a contratante assume diretamente o ajuste com o trabalhador, que constitui uma empresa para poder trabalhar”, adverte juíza.
Conforti reforça que os efeitos dessas contratações não foram objeto de análise pelo STF, e que, inclusive, o reconhecimento de repercussão geral sobre o tema demonstra a inexistência de precedente vinculante até o momento.
Apesar do cenário adverso, a juíza vê espaço para reação institucional. Conforti defende que o STF ainda pode reverter a suspensão, com base em uma leitura mais cuidadosa da Constituição e dos efeitos sociais da decisão.
Além disso, sugere que o Congresso Nacional aprove legislação que reafirme a competência da Justiça do Trabalho para julgar fraudes nas relações de trabalho, estabeleça que a licitude da contratação via PJ dependa do exame do caso concreto e fixe o ônus da prova sobre o contratante. “O mais eficaz nesse momento seria o Ministro relator tornar sem efeito a suspensão dos processos”, disse.
A juíza ainda destaca que a sociedade civil tem se mobilizado em defesa da Justiça do Trabalho e dos direitos previstos na CLT. Para ela, o julgamento do mérito no STF será decisivo: poderá consolidar uma jurisprudência de desproteção ou reafirmar os pilares do modelo de proteção social previsto na Constituição.
“Espera-se que o tema seja analisado com total abertura para que a sociedade possa ser ouvida e que a Corte chegue a uma decisão que não só ratifique a competência constitucional da Justiça do Trabalho para a análise de tais questões, como também que garanta o cumprimento da legislação trabalhista e o recolhimento das contribuições legais.”
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