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Xico Sá

Escritor e jornalista, faz parte da equipe de apresentadores do ICL Notícias. Com passagem por diversas redações e emissoras de tv, ganhou os prêmios Esso, Folha, Abril e Comunique-se. Participou de programas como Notícias MTV, Cartão Verde (Cultura), Redação Sportv, Papo de Segunda (GNT) e Amor & Sexo (Globo). É autor de Big Jato (Companhia das Letras) e A Falta (Planeta), entre outros livros. O colunista nasceu no Crato, na região do Cariri cearense, e iniciou sua trajetória profissional no Recife.

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O trabalho (6×1) danifica o homem, a mulher, a família

O que um dia a mais de folga mudaria na vida da classe trabalhadora. Uma crônica ouvida no metrô lotado de SP
15/11/2024 | 06h42

No metrô apinhado de SP, destino Jabaquara, um debate entre passageiros sobre o fim da escala 6×1 de trabalho — projeto da bravíssima deputada Erika Hilton (PSOL-SP) protocolado no Congresso, em Brasília.

Unanimidade no grupo de amigos e amigas de firmas da área de serviço, a nova regra deveria ser a 5×2. Trabalha-se até o sextou e folga-se no sábado e domingo, “como nossos pais”, os velhos operários do ABC e arredores.

Decidida a escala, a rodinha no meio do vagão passou ao que interessa: o que faria cada um com a decência de uma folga a mais na vida.

“Finalmente veria o filme ‘Moana’ completo com a minha filha. Até hoje, nem isso, e ela já vai fazer 5 anos”, disse o moço vestido com o uniforme de uma rede de farmácias. “Ela deixou o finalzinho pra ver comigo e fica cobrando. O tempo passa…”.

Aí começou o listão de pequenas coisas que mudaria a vida da turma toda. De domingo no parque ao almoço na casa da vó em Santos.

“Quem sabe, por um milagre, voltaria até a namorar um pouco o meu próprio marido”, gargalhou a mulher que vestia a camiseta de uma locadora de carros. “Nunca vimos sequer um filme no shopping”.

O festival de melhorias seguiu no ritmo do trem: iria correr pra perder essa pança, me jogaria no bailão do Sambarylove, no forró da ZS, não sairia da piscina do Sesc, no campo de várzea do Ajax…

São coisas aparentemente simples, mas que não serão feitas durante toda uma vida, como se essa gente acumulasse uma coleção de filmes, nunca vividos ou só vistos pela metade.

Um diazinho a mais de folga que mudaria o ritmo do dengo com os filhos, daria até para ouvir o áudio de quem a gente ama na velocidade normal do primeiro “te amo”. Sim, da maneira mais piegas, sem medo do nosso lado mais brega e derramado, o nosso underererê mais rotineiro.

Tudo isso me lembra, para seguir ainda na pegada romântica, o “Epitáfio” dos Titãs:

“Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o Sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer”.

Com a escala 6×1, nada disso é ou será possível. O amor demorado e bem feito fica apenas na saudade de um velho pagode dos anos 90. Esquece.

P.S. Ah, mas tem que pensar nos empresários, diz o coro grego na imprensa. Tem sim que pensar na pequena e média empresa. Que tal ajudar o bar & lanches Padre Cícero, aqui na esquina, com a isenção braba que beneficia somente os 17 setores gigantes (incluindo mídia & comunicação) protegidos na reforma tributária?

P.S. 2 Ao rapaz que não consegue ver o final de “Moana” com a filha, só um lembrete: o varejo farmacêutico (incluindo a rede que ele trabalha) faturou R$ 91,3 bilhões, segundo o último balanço. Esse ano será muito mais. Não será o seu descanso no sofá com a família que vai mudar a história da riqueza do estabelecimento.

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