Por Amanda Prado e Bia Abramo
O deputado estadual e ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc (PSB/RJ) conversou com o ICL Notícias sobre o novo marco do licenciamento ambiental, o projeto de lei 2.159/2021, aprovado pelo Senado nesta quarta-feira (21). Ele chamou o projeto de “maior retrocesso da área ambiental dos últimos 80 anos”.
De acordo com Carlos Minc, o licenciamento ambiental pode ser considerado “a coluna dorsal” da defesa ambiental, porque consiste em mostrar para a população e para os técnicos todos os impactos ambientais e sociais de um empreendimento, seja na água, no ar, na floresta, na saúde das pessoas ou na biodiversidade.
“A primeira coisa necessária é transparência, avaliando alternativas tecnológicas e locacionais que permitam produzir o mesmo resultado melhorando os impactos ambientais. O licenciamento, além de impor tratamentos mais severos nas emissões atmosféricas, também determina uma compensação ambiental. Não existe poluição zero. A compensação tem condicionantes, como investir no saneamento de uma região que não tem esse serviço, por exemplo”.
Para o deputado, o que se pretende com a proposta aprovada no Senado é facilitar o processo para a aprovação de empreendimentos diversos. Segundo ele, a ideia de reduzir burocracias e simplificar alguns processos é bem-vinda, mas não deve ser argumento para o desmonte de mecanismos de controle e proteção.
“O que eles querem é muito pior do que se pode imaginar, transformando as etapas do licenciamento e as análises prévias, facilitando pro empresário. Vários empreendimentos vão ser impulsionados a toque de caixa, sem transparência, sem audiência com a população envolvida”, pontuou.
O deputado destacou também a contradição em relação aos setores de Agricultura e Pecuária. “Estão excluindo a agricultura e pecuária, que deixam de necessitar licença, praticamente dizendo que são atividades de baixo impacto ambiental. Ora, qual é o setor que mais produz emissões de carbono no Brasil? Agricultura e pecuária. Qual é o setor principal responsável pelo desmatamento dos ecossistemas no Brasil? Agricultura e pecuária. São exatamente os setores com os maiores impactos”, declarou Minc.
“A gente tem que organizar a sociedade. O mais importante é esclarecer a população. A reação nas redes fez eles voltarem atrás, por exemplo, em um recente caso da privatização das praias. Eles estavam passando a rodo e houve uma consulta pública mostrou que 90% das pessoas eram contra isso, então eles tiveram que recuar porque a população se manifestou. Temos que tentar audiências públicas, ouvir cientistas”, propôs Minc.
O deputado alertou ainda para o fato de que o PL causa grande impacto aos povos tradicionais, quilombolas e indígenas. “O aumento do desmatamento aumenta a temperatura, o que impacta na nossa vida em geral, nos animais, toda a biodiversidade”.
“Com todos os nossos problemas de falta ainda de recursos para saúde indígena, falta de recursos para descontaminar os rios entupidos de mercúrio… Imagina sem o licenciamento, com grandes estradas, grandes projetos, grandes fazendas implantados sem critério, usando agrotóxicos, contaminando mais rios, provocando deslocamento de populações. O sofrimento é indescritível”, completou.
Licenciamento ambiental e imagem do Brasil
Para o deputado, esse resultado às vésperas da COP30 no país e às vésperas do acordo entre Mercosul e União Europeia é dramático. “Estamos às vésperas da COP 30 e o Brasil pretende ter protagonismo. Estamos às vésperas de fazer um acordo mais profundo com a União Europeia, com quem já tivemos dificuldades maiores justamente pela questão ambiental. Eles diziam que as nossas regras ambientais eram mais frouxas e por isso os nossos produtos ficavam mais baratos, porque não tinham que tomar tantas precauções”.
“Neste momento tão difícil do mundo, o Brasil representando uma esperança, eu acho que uma lei como essa vulnerabiliza e fragiliza as medidas de contenção das emissões de carbono e portanto as medidas de tentar amenizar a temperatura do planeta e as mudanças climáticas. Ao desmontar a estrutura de licenciamento, o país deixa que fortaleçam os argumentos daqueles que se opõem ao acordo. E hoje nós precisamos desse acordo muito mais do que antes”, disse.
Segundo Minc, a política de Donald Trump, ao “desorganizar o comércio internacional e impor tarifas malucas completamente discricionárias”, tornou a maré ainda mais necessária para que o Brasil se apresse em fechar o acordo com a Europa, “que também ficou mais tentada a acelerar as negociações”. “Neste momento estamos dando um tiro no pé na área ambiental. Esse PL é completamente inaceitável, isso sim é contra a economia brasileira. Não é o licenciamento ambiental que atrapalha a economia, o que vai atrapalhar a economia é dar argumentos para que haja boicote ao acordo Mercosul e União Europeia”, relatou.
Exploração do petróleo
Quanto ao processo de licenciamento para testes da Petrobras na Foz do Amazonas, Minc crê que o PL, ao acelerar empreendimentos estratégicos, mesmo com grande impacto ambiental, vai abrir caminho mais imediato para a exploração do petróleo na Foz do Amazonas.
“Em projetos prioritários, o desempate sobre as decisões é do presidente. Hoje é o Lula, mas há pouco tempo era o Bolsonaro, que não acredita em mudança climática e acha que a floresta é um obstáculo. Ou seja, a coisa fica tão frouxa que transforma a questão ambiental num critério político. Isso é uma tragédia total”, afirmou o deputado Carlos Minc sobre o PL que flexibiliza regras de licenciamento ambiental.
“O petróleo não é uma solução final pra tudo. O Rio de Janeiro, por exemplo, é o estado que mais recebe dinheiro de royalties do petróleo e gás natural do Brasil. Qual é a situação do Rio de Janeiro? Por má gestão, o estado está quebrado, devendo muito dinheiro, no regime de recuperação fiscal, sem concurso, professores ganhando mal. Campos dos Goytacazes, no norte Fluminense, um dos municípios que mais recebe royalties do petróleo, tem um IDH muito baixo e um povo na miséria”, pontuou o deputado.
“Eu digo que o sonho do senador Davi Alcolumbre, presidente do Senado, é ver o Amapá virar um Emirados Árabes e ele próprio virar um ‘xeique do petróleo’. Acho que ele já imagina o quadro onde ele está vestido de xeique, com xale enrolado na cabeça e sentado em um trono. As coisas não podem ser assim. Estamos falando de assuntos muito sérios e que precisam de mais cuidado”, finalizou.
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