Pedro Chê*
Antes de tecer as críticas, começo com os elogios. Reconheço que a “PEC da Segurança Pública” seja interessante num ponto de vista gerencial, e acredito que redundará em algumas mudanças positivas, até mesmo frente as questões mais polêmicas, a ampliação de atribuições da PF e um quase redesenho da PRF.
Mas feito os elogios, vamos às críticas.
Boa parte da comunidade acadêmica aponta que o texto é excessivamente (para não dizer exclusivamente) “policialesco”, em outras palavras, reforçaria a ideia de que as soluções para os problemas na segurança pública devem ser encontradas nas polícias, ignorando outras esferas. Embora concorde com a crítica, não é o principal problema da proposta.
Os movimentos sociais, por sua vez, preferem estipular uma outra crítica: reclamam da falta da participação da sociedade civil e de grupos especializados na construção do texto. Também estão cobertos de razão, mas faltou pouco para acertarem na mosca.
O pior erro relacionado a essa Proposta de Emenda está no fato de que ela “vende” uma falsa perspectiva, gerando uma desinformação coletiva. Receber o título de “PEC da Segurança Pública” dá ao texto uma expectativa que ele “nem arranha” frente a timidez com que aborda até a perspectiva policialesca, imaginem outros eixos! Para corroborar essa minha análise, me basta trazer à baila a presença da memorável PEC 51/2013 de iniciativa do então senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e com participação direta do excelente Luiz Eduardo Soares. Apesar das críticas que se possa fazer a ele, a Proposta de Emenda 51 não se eximiu na busca por soluções para diversos problemas estruturais da segurança pública.
Se me coubesse batizar essa “PEC da Segurança Pública”, a chamaria de “PEC da Elite das Polícias, MP e Judiciário sobre Segurança Pública”. Sei que o título não é bom, mas a realidade também não o é, então perdoem-me a falta de inspiração.
Sei que companheiros bem-intencionados, cientes das condições políticas atuais correm o risco de estarem a um passo de abandonar o texto. A estes, peço paciência. Concordo que enfrentamos um enorme desafio especialmente na relação entre Executivo e Legislativo e que a população, em grande parcela, está cada vez mais avessa a soluções elaboradas, muitas vezes preferindo uma pressa que pode ser sanguinolenta, mas é meu dever como ativista trazer um duro fato: que poderíamos alcançar mudanças mais profundas na vida cotidiana de nosso povo tendo que arcar com o mesmo custo político, ou até torná-lo um ganho.
Hoje, por exemplo, é difícil — se não completamente inviável-, trazer para o debate público questões como a nossa política de (des)encarceramento, desmilitarização e a guerra às drogas, assuntos que foram contaminados por um moralismo enxertado por agentes políticos mal-intencionados. No entanto, há outras propostas/temas (de natureza reformista, não estou sendo ousado e apontar caminhos revolucionários à questão) que tem sim espaço para discussão e que agregariam ao serviço. Propostas estas que teriam — surpreendentemente para alguns —, um grande apoio por parte da “base policial” (sim, cujo 80% dos membros identificam-se com a direita). Dá para acreditar que a gente está perdendo essa oportunidade?
Nesse momento, poderíamos estar tratando a desburocratização do Inquérito Policial, Ciclo Completo de Polícia, um controle mais efetivo da atividade policial, uma reformulação das Guardas Municipais, Carreira Única, entre outros pontos. Algumas dessas questões nem precisariam de uma Proposta de Emenda, bastaria a edição de novas leis, o que facilitaria o processo.
Para aqueles que tratam politicamente do assunto segurança pública, é de seu conhecimento que — ressalvada a questão do controle da atividade policial-, haveria apoio entre os operadores de segurança pública (da base) para estas propostas. E além de serem mais impactantes socialmente, serviriam de ponte para algo que hoje quase impossível: uma reabertura do diálogo com esses operadores, o que não será alcançado a partir de bolsas formação, infelizmente.
Diante de tantas possibilidade e ofertas promissoras, por que essas discussões estão fora da agenda? Seria por ignorância, esquecimento? Não… o que ocorre, amigas e amigos, é que a PEC foi elaborada por “camaradas”, não os comunistas, mas por uma certa elite corporativa que chefia ou se relaciona com as instituições policiais. Por mais que tenhamos gente bem-intencionada em todos os postos, como historiador desconheço o relato na experiência humana de grupos corporativos que altruisticamente tenham propostos mudanças que afetassem seus poderes e interesses.
Por isso ela acaba sendo quase um “mais do mesmo”, e para explicitar melhor esse estado de coisas vou recorrer a uma analogia que poderia ser encontrada entre vendedores de carros usados: do mesmo jeito que a Segurança Pública na Constituição está para um Fiat Marea, essa PEC está para um Fiat Linea, ou seja, não passa de uma versão repaginada contendo os mesmos problemas do original, assim um “Linea” não deixa de ser um “Marea”.
Gostaria de ver uma “PEC da Segurança” para chamar de “PECzona”, “PECzassa”, ou “PEC, sua linda”. Mas infelizmente, está é apenas uma “PECzinha”. Que saudade dos tempos da PEC 51!
*Policial civil e professor de História
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