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Crise no União Brasil: entenda as disputas no partido e as consequências no jogo político

Sigla tem 59 deputados na Câmara, cargo na mesa diretora da Casa e fatia de R$ 517 milhões no fundo eleitoral deste ano
17/03/2024 | 05h00

Por Cristiane Sampaio — Brasil de Fato

A sigla União Brasil, que tem a terceira maior bancada da Câmara dos Deputados, enfrenta hoje uma crise interna na cúpula nacional que provocou a abertura de processo de afastamento cautelar do presidente da sigla, o deputado federal Luciano Bivar (PE), na última quarta (13). Após movimentos internos de oposição, o cacique é alvo agora de uma representação que pede também a sua expulsão acompanhada de uma desfiliação. A reunião que decidiu pela abertura do processo contou com 17 votos favoráveis ao afastamento e 15 abstenções, sem manifestações de apoio, placar que ajuda a ilustrar o alcance da impopularidade de Bivar entre os pares.

O presidente tem agora 72 horas para apresentar defesa após ser notificado e, com o esgotamento do prazo e os demais trâmites formalmente previstos, poderá ser expulso do partido, se essa for a decisão final da executiva. O caldo da crise interna do União Brasil envolve incêndios criminosos em Pernambuco, denúncias de ameaças, insatisfações em torno da atuação de Bivar no comando do partido e o controle da presidência nacional da sigla, que nas últimas semanas elegeu o advogado e empresário Antônio Rueda, vice-presidente de Bivar na agremiação, para sucedê-lo no cargo. A troca formal no posto ocorrerá somente em junho, mas o agravamento dos distúrbios internos pode antecipar a mudança.

“Acho que a expulsão do Bivar, pelo que se tem visto e acompanhado, não é mais uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’” [vai acontecer] porque o Rueda já diz publicamente que eles estão agora como inimigos declarados e houve uma manifestação do líder do partido a favor da saída dele. Essa sinalização não é pouca coisa”, observa o analista político Leonel Cupertino, ao mencionar uma declaração dada na última quarta (13) pelo deputado federal Elmar Nascimento (BA), que comanda a bancada da legenda na Câmara.

Durante a reunião da executiva nacional que decidiu pela instauração do processo interno contra Bivar, o parlamentar disse que o cacique “perdeu todas as condições de estar no partido”. “Bivar vai ser retirado para que a gente viva em paz”, acrescentou Nascimento, nome forte do campo da direita e um dos principais candidatos à sucessão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara a partir de 2025.

Elmar Nascimento [à direita] é nome forte do União Brasil na Câmara e tido como um dos favoritos à sucessão de Lira [à esq.] / Michel Jesus/Câmara dos Deputados

A declaração de Elmar se soma a outros acenos de personagens do partido nos últimos dias e semanas. Na quinta (14), Rueda chegou a dizer que o partido está sendo “resetado”. “Esse partido reseta não só no Brasil, como também no Rio de Janeiro. Começa uma nova história”, disse durante evento em que o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Rodrigo Bacellar, filiou-se à sigla. O parlamentar irá assumir o diretório estadual da legenda.

A crise que colocou Bivar e Rueda em lados opostos explodiu após a eleição vencida por este último, mas o presidente do partido vinha enfrentando uma série de reclamações sobre controle excessivo e unilateral das decisões da sigla havia mais tempo. “Bivar é uma figura importante da política brasileira, foi um ator relevante nos últimos anos, mas se enfraqueceu internamente e por isso acabou perdendo o principal capital político que tinha, que era o comando do partido”, resume o cientista político Leandro Gambiati.

União: o “depois”

Com a crise do partido ainda em movimento, não se sabe ao certo quais rumos o União Brasil deve assumir em algumas frentes a partir da iminente saída de Bivar. O perfil da agremiação, no entanto, dá elementos para que especialistas possam desenhar o cenário futuro a médio prazo. O histórico de dissidências internas da sigla é o aspecto de maior realce entre as análises. Surgido em outubro de 2021 a partir da junção do PSL com o DEM, o partido enfrenta desde sua gênese divisões marcadas pelas diferenças originais que havia entre o PSL, sigla pela qual Jair Bolsonaro se elegeu presidente da República em 2018, e o DEM, legenda herdeira do antigo PFL e identificada com posições do campo da direita liberal.

A fusão resultou na formação de uma bancada que começou com 81 parlamentares e hoje ocupa 59 cadeiras na Câmara dos Deputados, perdendo apenas para o PL, com 96 parlamentares, e o PT, que soma 68. “Existia um incentivo para essa união acontecer e a bancada ganhar força e mais peso, principalmente depois da migração de vários parlamentares que estavam no PSL e foram pro PL, que foi o partido escolhido por Bolsonaro pra disputar a eleição [em 2022]. Então, você tem hoje o União Brasil, um partido importante, com mais de 50 deputados na Câmara, e é daí que vem essa força da sigla dentro do contexto político brasileiro”, resume o analista Leandro Gambiati.

Após fusão entre PSL e DEM, o então recém-criado União Brasil contabilizava 81 cadeiras entre as 513 do plenário da Câmara; hoje são 59 (Beto Barata/Agência Senado)

O tamanho da sigla e as composições internas de blocos partidários fizeram com que o União ocupasse a Primeira-Secretaria da Câmara na atual gestão da mesa diretora (2023-2025), órgão responsável pela gerência dos trabalhos legislativos e administrativos do espaço. O posto é conduzido atualmente pelo próprio Luciano Bivar, que deve deixar o cargo em caso de expulsão, uma vez que a cadeira pertence ao partido, e não ao mandato de seus eventuais ocupantes.

“Tivemos um caso recente na legislatura imediatamente anterior, quando o Marcelo Ramos, então vice-presidente da Casa, deixou o PL por não concordar com os rumos que o partido vinha tomando. Ele foi destituído da Vice-Presidência para que assumisse em seu lugar o deputado Lincoln Portela. Acredito, então, que o afastamento do Bivar da Segunda-Secretaria surja como uma consequência natural da sua possível saída do União Brasil”, explica Leonel Cupertino.

Partido X governo

Por conta das diferenças internas, o comportamento da legenda nas votações do Congresso Nacional tem sido marcado por incerteza em relação ao apoio que a bancada dá ao governo federal a cada momento, o que tem deixado a gestão sem previsibilidade sobre a sigla. “Isso ocorre porque há, no União Brasil, uma certa condescendência com deputados que em algumas ocasiões decidem votar contra o governo, por isso nunca se sabe quantos votos o partido tem capacidade de entregar mesmo nas situações mais decisivas. A modelagem de uma decisão voto a voto, organizada mais em torno dos interesses e da vontade da Câmara do que da vontade do governo me parece que tende a continuar”, projeta o cientista político Leonardo Barreto, ao ensaiar o futuro a partir da possível saída de Bivar.

“O Rueda, o novo presidente, já é uma figura conhecida e acho que tende a administrar o partido com alguma liberdade para os parlamentares. Tenho a sensação de que essa é uma mudança importante, mas ela acontece mais por razões internas do União e não deve ter muita interferência na maneira como o partido se comporta em relação ao governo”, emenda o especialista. Ele ressalta que essa postura pode ser calculada a partir da forma como a legenda lida com congressistas filiados que têm grande capital político em seus estados.

Juscelino Filho, ministro das Comunicações, e Lula (Ricardo Stuckert/PR)

“O União tem um caráter de direita moderada, mas que atende também a interesses regionais, dá liberdade para que seus caciques regionais se movimentem de acordo com seus próprios interesses. É o caso do senador Davi Alcolumbre (AP), que dá suporte pro governo no Senado em troca de um domínio no Amapá, mas em outros lugares onde há mais oposição ao governo Lula, por exemplo, a sigla também permite um posicionamento mais de oposição. Então, esse é o comportamento do União, que concilia tudo isso com objetivos pragmáticos dos seus caciques locais. É um partido conservador, de direita, mas com muitas divisões internas, dado o movimento que cada um faz dentro da sua localidade”, pontua Barreto.

Ministérios

O União Brasil participa oficialmente do governo Lula e ocupa três ministérios na Esplanada. A sigla tem Celso Sabino no Turismo (MTur), Juscelino Filho nas Comunicações (MCom) e Waldez Góes no Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR). Os dois primeiros são deputados federais licenciados, sendo Sabino pelo Pará e Juscelino pelo Maranhão. Já a situação de Waldez Góes é um tanto atípica: ele é originalmente do PDT, mas está licenciado da sigla porque teve sua posição no ministério costurada por Davi Alcolumbre, de quem é primo – por isso, também considera-se que o ministério “pertence” ao União Brasil. Apesar de anômala para os ritos tradicionais dos acordos partidários, a situação permanece desde então.

União Brasil tem três dos 37 ministérios do governo Lula (Ricardo Stuckert/PR)

Ao lembrar os acordos multilaterais que levaram a essa configuração, Leonel Cupertino diz não acreditar que a saída de Bivar do União Brasil afete a engenharia política da Esplanada. “Os interlocutores são diferentes. A relação do Valdez com o presidente Lula, por exemplo, sobrepõe a questão do partido porque ele é muito próximo do Alcolumbre. No caso do Sabino, houve uma acomodação pra ele estar ali. E o Pará é um estado de muito peso hoje no governo federal. O Lula é muito próximo da família Barbalho”, explica.

O analista ressalta ainda que, por conta dessa relação, Jader Barbalho Filho ocupa o Ministério das Cidades pelo MDB. “E o Lula é muito próximo também do senador Jader, do MDB do Pará. Então, perceba que o governo Lula tem dado protagonismo a lideranças paraenses. Valdez é uma espécie de cota do Senado e o Juscelino e o Valdez da cota da Câmara. Não acredito em substituição de ministros só por causa da crise do União Brasil. Eu diria que essa é uma crise que eles tendem a resolver internamente, e o governo não será atingido nem direta nem indiretamente, pelo menos não os ministros, acredito eu”.

Eleições 2024

Já no quesito eleitoral, os especialistas ouvidos pela reportagem não têm posição unânime sobre rumos que podem ser tomados pelo partido com a eventual expulsão de Bivar. Para Leonardo Barreto, a tendência é que não haja mudanças significativas na condução da máquina da legenda nesse sentido. “É que o Rueda já estava à frente disso. O Bivar caiu porque cuidava apenas dos próprios negócios, mas o partido já era, de certa forma, tocado pelo Rueda, por isso acredito que isso não mude muita coisa”.

Cupertino pontua que a configuração das disputas eleitorais municipais envolve uma teia grande e complexa de acordos locais que podem ter maior ou menor relação com as tratativas nacionais do partido a depender de cada cenário específico. “O presidente nacional interfere mais em cidades maiores, como São Paulo, as capitais, etc. Os dois que estão disputando a presidência hoje são originalmente do mesmo estado [Pernambuco]. Na Bahia, você tem um União Brasil muito forte sob o comando do ex-prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto. O próprio Elmar Nascimento é uma espécie de cacique do União Brasil na Bahia também, e você tem ainda Ronaldo Caiado muito presente no União Brasil em Goiás. Então, cada local tem os seus principais expoentes, e isso ajuda a definir os rumos eleitorais locais”, explica Cupertino.

O partido tem à sua disposição um fundo eleitoral orçado em R$ 500 milhões. “É esse orçamento que dá poder para que o partido consiga negociar com candidatos, inclusive trazer candidatos de outros partidos para a sua alçada. Mas é importante observar que, no Brasil, a dinâmica da política local muitas vezes não repete a dinâmica da política nacional, por isso a gente pode ver aí alianças específicas que tenham muito a ver com acordos locais, e não com uma lógica de disputa nacional”, pontua Leandro Gambiati.

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