O título desta coluna é o mesmo de um documentário de Errol Morris, de 2003, premiado com o Oscar e realizado a partir de uma longa entrevista com o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Robert McNamara, nos governos Kennedy e Johnson, ambos nos anos 1960.
McNamara comenta a história militar dos EUA no século XX, o porquê do envolvimento norte-americano em tantos conflitos e o que considera erros de estratégia. Erros ou crimes de guerra? Como sabemos, a história é sempre contada pelos vencedores. Mas Hiroshima e Nagasaki, no Japão, e Mi Lai, no Vietnã, são nomes inscritos para sempre na “marcha da insensatez”.
O filme leva à reflexão sobre a estupidez das guerras, em qualquer tempo e lugar, como a que estamos assistindo, neste momento, na Faixa de Gaza. O uso da força será sempre o fracasso da civilização e o triunfo da barbárie.
Para não deixar dúvidas sobre o que penso, preciso dizer que condeno a brutalidade do ataque do Hamas em 7 de outubro e condeno também a reação desproporcional de Israel. A indignação e revolta com a morte de civis inocentes não pode ser seletiva.
É preciso destacar, contudo, que a ação militar do governo extremista de Benjamin Netanyahu segue a lógica colonial da conquista de territórios e extermínio do povo palestino. Em quase um mês de bombardeios, a estatística do lado palestino não deixa dúvidas: mais de oito mil civis mortos, sendo três mil crianças. O porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), James Elder, disse nesta terça-feira (31/10) que a Faixa de Gaza se transformou num “cemitério de crianças” sob as bombas israelenses. Qual o nome para tamanha mortandade se não genocídio?
Até o campo de refugiados de Jabalia, no norte de Gaza, foi bombardeado a mando de Netanyahu. Entre as vítimas da guerra também estão jornalistas, funcionários da ONU, trabalhadores da assistência humanitária. No noticiário, cenas de pessoas banhadas em sangue passam a ser assimiladas como efeito colateral de mais um conflito mundo afora. A mídia é inundada por propaganda de guerra israelense, que tenta justificar o “olho por olho, dente por dente”.
A “névoa” informacional fica ainda mais densa com a ausência de contexto histórico e de reflexão sobre as consequências do colonialismo que lançou o Oriente Médio num ambiente de choques e tensão permanente que já dura 75 anos.
A guerra pôs em evidência a falência da ONU como organismo multilateral. Os membros do Conselho de Segurança não alcançam consenso nem sequer para aprovar pausas humanitárias para a retirada de civis e a entrada de água, comida, remédios e combustível. O conceito de “nações unidas” evapora como se fosse uma miragem enquanto o projeto do Estado palestino vira poeira do deserto.
Os Estados Unidos, com agenda própria no Oriente Médio, têm responsabilidade direta na paralisia da instituição. Usam e abusam do poder de veto no Conselho enquanto despejam bilhões de dólares no fortalecimento do poder bélico israelense e mandam porta-aviões para o Mediterrâneo.
Israel sente-se à vontade para propor a destituição do secretário-geral, Antônio Guterres, que disse o óbvio: que os palestinos têm sido submetidos a 56 anos de uma “ocupação sufocante”, referindo-se à guerra de 1967 que levou à expansão territorial de Israel. O presidente Lula está coberto de razão ao propor a reforma do Conselho.
O mundo prende a respiração com medo da escalada do conflito e de sua possível ampliação na região, com consequências imprevisíveis. Todos os sinais, até o momento, são de uma guerra prolongada, capaz de reconfigurar a geopolítica regional, com impactos planetários. Sob a névoa da guerra, o que resta é o abandono e a desumanização dos palestinos. Eles estão sozinhos.
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