Por Yuri Eiras
(Folhapress) — Alunos do curso de Educação Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) não têm onde tomar banho depois das aulas práticas. Para trocar de roupa, precisam se esconder atrás de toalhas. Em algumas aulas, 70 alunos dividem dois banheiros.
Em setembro de 2023, a marquise da escola desabou e danificou quatro salas de aula. Em maio deste ano, um beiral cedeu e rompeu as paredes de um ginásio e de salas.
Por causa dos problemas estruturais, os cursos de graduação de Educação Física e Dança não terão novos alunos no primeiro semestre do próximo ano. As vagas só vão abrir para o segundo semestre.
No observatório de astronomia, aparelhos de ar-condicionado responsáveis por refrigerar computadores de alta capacidade de processamento apresentaram problemas. Diretores do espaço pagaram a manutenção dos equipamentos às pressas a fim de evitar o esgotamento dos processadores.
A astronomia corre risco de atrasar o pagamento de vigilantes, responsáveis pela segurança do imóvel que guarda equipamentos de milhares de reais.
Crise orçamentária na UFRJ
A UFRJ vive há anos uma crise orçamentária que causou, em novembro, cortes nos fornecimentos de água e luz e redução no número de funcionários da segurança.
Termos como “colapso” e situação “desesperadora” aparecem nas falas de conselheiros em reuniões. “Já cortamos na carne. Agora estamos cortando no osso”, diz à Folha de S. Paulo o reitor da UFRJ, Roberto Medronho.
A UFRJ explica a crise pela queda no orçamento discricionário (custeio e investimento) desde 2012. Naquele ano, a universidade recebeu R$ 784 milhões. Desde então os repasses diminuíram, segundo planilhas recebidas pela reportagem, chegando a R$ 347 milhões em 2022 e R$ 314 milhões em 2023, primeiro ano do governo Lula (PT).
Neste ano, a UFRJ teve R$ 392 milhões de orçamento, um leve mas insuficiente aumento, segundo diretores. As contas a pagar passam dos R$ 475 milhões, deixando quase R$ 100 milhões a descoberto.
Universidades federais brasileiras sofrem com obras paradas, problemas de manutenção e pagamentos. Em junho houve greve. Logo depois, Lula anunciou um PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) de R$ 5,5 bilhões para essas instituições.
Na UFRJ, os principais problemas são as contas de água e luz, despesas com alimentação e segurança.
Sem orçamento para tudo, a direção escolhe qual dívida quitar.
Em novembro, a Light cortou a luz de prédios e manteve só o essencial. A universidade chegara a uma dívida de R$ 35,7 milhões. Sob reserva, diretores da Light afirmam que o corte foi para pressionar um pagamento, ainda que parcial. A Justiça Federal suspendeu o corte de luz.
Parte da dívida foi quitada e a energia foi normalizada, mas a UFRJ ainda deve R$ 26 milhões à concessionária.
Com a Águas do Rio a dívida chegou a R$ 14 milhões, segundo documentos encontrados pela reportagem — a concessionária não informa publicamente o valor. Houve corte no abastecimento de água em alguns prédios.
Em nota, a concessionária disse que o abastecimento está normal, “no entanto, nenhum pagamento foi realizado desde a última interrupção”.
Segundo o reitor, até as árvores da Cidade Universitária, na ilha do Fundão, tiveram as podas diminuídas. “Quando não poda, a árvore pode cair e derrubar uma edificação, um carro”, diz Medronho. “É uma escolha de Sofia”.
A UFRJ foi fundada em 1920 e é a primeira do Brasil. Sua fundação foi a reunião de outras escolas que já existiam desde a época do Império e do início da República, como a Escola de Engenharia, de 1810, a Faculdade de Medicina, de 1832, e a Faculdade de Direito, de 1891.
A infraestrutura tem 19 imóveis, alguns centenários e até bicentenários, como o Museu Nacional, de 1818. O museu pegou fogo em 2019, acidente considerado pelos diretores da UFRJ como principal retrato da queda no financiamento — o MEC (Ministério da Educação) afirma ter repassado R$ 50,5 milhões para a reconstrução. Outros imóveis estão em risco, segundo a reitoria.
No prédio do CCS (Centro de Ciências da Saúde), na Cidade Universitária, uma parte do teto desabou no momento em que estudantes circulavam pelo corredor, em setembro. Ninguém se feriu. No campus da Praia Vermelha, na zona sul, há relatos de infestação de cupins.
No Departamento de Microbiologia Médica há goteiras e infiltrações em laboratórios ocupados por materiais que precisam de limpeza e isolamento.
“A estimativa é de mais de R$ 1 bilhão para fazer a recuperação de todas as edificações da UFRJ”, afirma Medronho.
“É uma universidade centenária e imensa. Tem muitos alunos, projetos, pós-graduação, laboratórios, museu, hospital. Para manter a excelência ela demanda um orçamento muito robusto” afirma Mayra Goulart, presidente da AdUFRJ, associação que representa os professores da universidade.
“O colapso já existe e a universidade se mantém aberta produzindo formação e pesquisa de excelência. O que a mantém funcionando são professores que atuam de maneira messiânica.”
O reitor afirma que o MEC é solidário à causa da UFRJ, mas que a própria pasta “também tem seu limite”. Diretores da universidade responsabilizam o Congresso pela falta de apoio às universidades públicas.
“Tenho muitos amigos trancando a matrícula ou procurando transferência para universidades particulares”, diz Melaine Caires, de 20 anos, estudante de educação física e presidente do centro acadêmico.
Em nota, o MEC disse que os problemas de orçamento para a manutenção das universidades federais “não é um problema atual e decorre da política implementada nos últimos anos, desde 2016, que reduziu drasticamente os valores”.
“O MEC tem trabalhado, desde janeiro de 2023, para recompor/mitigar as reduções orçamentárias”, disse a pasta, “a fim de garantir o pleno funcionamento das instituições”.
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