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A Guerra do Vietnã e as disputas entre imperialismo, capitalismo e comunismo

A Guerra do Vietnã foi o conflito de maior impacto da Guerra Fria, marcado pela disputa entre ideologias, as inúmeras mortes e a derrota simbólica dos EUA
03/10/2024 | 14h07

Falar sobre a Guerra do Vietnã, conflito armado que durou quase 20 anos, vai muito além da divisão do mundo entre as duas ideologias que saíram vitoriosas da Segunda Guerra Mundial. A influência – direta e indireta – dos Estados Unidos e da União Soviética refletiu em diversos fatores relacionados ao conflito.

Antes de falar da guerra, é preciso abordar a história do Vietnã, que está intimamente ligada ao contexto da formação do país, das influências internacionais e dos momentos históricos que o mundo vivenciava.

O imperialismo do século XIX influenciou quando foi a guerra do Vietnã?

Antes de ser chamado oficialmente de Vietnã, o pequeno país no sudeste asiático era parte da Indochina – literalmente a região entre a Índia e a China. Ela era uma colônia francesa que incluía também o que hoje são os territórios de Laos e Camboja, e que era explorada por suas matérias-primas, como borracha, minérios e até pela produção de arroz.

Prédio Central dos Correios em Ho Chi Minh, antiga Saigon, mostra a influência da arquitetura europeia. Crédito: FlowComm/ Creative Commons

Prédio Central dos Correios em Ho Chi Minh, antiga Saigon, mostra a influência da arquitetura europeia. Crédito: FlowComm/ Creative Commons

A dominação da França ocorreu entre as décadas de 1880 e 1950, sendo iniciada com o chamado imperialismo europeu (ou neocolonialismo) e tendo encerrado com a declaração de independência do Vietnã e a Conferência de Genebra.

Durante a ocupação alemã na França, na Segunda Guerra Mundial, os japoneses foram a potência substituta como parte da rendição francesa aos países do Eixo. Com a rendição do Japão após as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, o Vietnã voltou a ser território que a França gostaria de controlar – mas dessa vez, sem sucesso.

O acordo de Genebra e a divisão do Vietnã

O fim da Segunda Guerra não representou o fim do controle europeu, já que a França não aceitou a independência vietnamita e iniciou a Guerra da Indochina, entre 1946 e 1954 – e, segundo historiadores, esse período é o marco inicial de quando foi a guerra do Vietnã. O resultado foi a derrota dos franceses e a divisão do país entre Vietnã do Norte e do Sul, uma proposta dos Estados Unidos no pós-guerra.

Com a divisão no contexto de guerra fria, o Vietnã do Norte passou a ter o apoio e patrocínio da URSS e da China, enquanto o Vietnã do Sul era pró-capitalista e mais alinhado aos Estados Unidos.

Entre os contrastes das duas metades vietnamitas estavam seus líderes: enquanto Ho Chi Minh, revolucionário comunista, trabalhou como cozinheiro em um navio e lutava contra a opressão europeia; Bao Dai, o último imperador do Vietnã, liderava o Vietnã do Sul e vivera anos em Paris, completamente desconectado da cultura e do idioma vietnamita, sendo apenas um fantoche das políticas francesas e depois, estadunidenses.

Uma segunda cláusula do Acordo de Genebra estabelecia que, em 1956, dois anos após o fim da guerra da Indochina, seriam realizadas eleições nos dois países para iniciar o processo de unificação dos Vietnãs do Norte e do Sul, já que o vencedor estaria autorizado a eliminar a separação dos dois territórios.

Apoiado pelos Estados Unidos, o primeiro-ministro do Vietnã do Sul, Ngo Dinh Diem, frauda as eleições no sul, dá um golpe de estado, e assassina Bao Dai, o que dá início a uma guerra civil – com o apoio indireto dos blocos capitalista e socialista.

A guerra do Vietnã – ou pela independência

Esse conflito interno, estimulado pelos Estados Unidos que temiam um efeito dominó pela região caso o Vietnã se tornasse efetivamente uma nação socialista, divide ainda mais o país: os vietnamitas do sul passam a receber cada vez mais armamentos e conselheiros militares, enquanto o norte continua a ser apoiado pela União Soviética e a China, agora já uma nação comunista.

As mortes de Diem e John F. Kennedy, presidente dos Estados Unidos, em 1963 foram um marco na história da guerra do Vietnã, já que, a partir desse momento, o conflito ficou mais intenso. A ausência de um líder no Vietnã do Sul aumentava a influência do Vietnã do Norte, enquanto que o assassinato de Kennedy marcou a mudança na política externa dos Estados Unidos, com o maior envolvimento militar.

Lyndon Johnson, presidente que sucedeu Kennedy, entende que uma vitória contra o comunismo no Vietnã é importante, também, para recuperar a moral dos Estados Unidos após o fiasco da Baía dos Porcos, em Cuba, e da construção do muro dividindo Berlim, na Alemanha. Com o pretexto do ataque a um destroier na costa do Vietnã, Johnson conseguiu o aval do Congresso para enviar tropas e armamentos, dando início a guerra direta dos Estados Unidos.

No entanto, o cenário de guerra no Vietnã foi diferente de tudo já visto pelo exército estadunidense: florestas densas, clima úmido, mosquitos e doenças tropicais e um adversário que conhecia muito bem a geografia do local.

O exército do Vietnã do Norte ficou conhecido como Vietcongues. Crédito: Wikimedia/ Creative Commons

O exército do Vietnã do Norte ficou conhecido como Vietcongues. Crédito: Wikimedia/ Creative Commons

Agentes incendiários, como Napalm, foram adotados para destruir as florestas que serviam como abrigo para os vietnamitas do norte, e agentes químicos, principalmente o agente laranja, também foram amplamente utilizados no conflito – causando danos aos humanos e ao solo, com consequências para todos até hoje. Estimativas falam em quatro milhões de vítimas do agente laranja durante todo o conflito.

A foto de crianças fugindo após um ataque de Napalm é uma das imagens clássicas da Guerra do Vietnã e serviu para mudar a opinião pública nos Estados Unidos a respeito do conflito. Crédito: Nick Ut/AFP

A foto de crianças fugindo após um ataque de Napalm é uma das imagens clássicas da Guerra do Vietnã e serviu para mudar a opinião pública nos Estados Unidos a respeito do conflito. Crédito: Nick Ut/AFP

A guerra do Vietnã e a contracultura

É inegável que a guerra do Vietnã teve um impacto profundo na sociedade dos Estados Unidos. Sendo o único conflito direto no qual o país se envolveu durante toda a Guerra Fria, gerou uma onda de protestos e manifestações contra a intervenção estadunidense. As convocações de jovens para o front, retratada em diversos filmes e séries de televisão, iniciou uma rebelião contra os valores tradicionais da sociedade.

A televisão, na época o principal veículo de imprensa responsável pela cobertura da guerra, era usada também como instrumento de propaganda do governo, numa tentativa de transmitir a imagem de que a vantagem dos Estados Unidos era muito maior do que efetivamente era.

De um lado, a mídia tradicional reportava vitórias para os soldados estadunidenses. De outro, jornalistas correspondentes relataram a destruição de vilarejos inteiros, com idosos e crianças entre as vítimas. Tem início aí a contracultura e o movimento da mídia independente.

O jornalismo de guerra, com relatos feitos diretamente do fronte, se expandiu muito durante a Guerra do Vietnã. Crédito: Arquivo Nacional dos Estados Unidos/ Creative Commons

O jornalismo de guerra, com relatos feitos diretamente do fronte, se expandiu muito durante a Guerra do Vietnã. Crédito: Arquivo Nacional dos Estados Unidos/ Creative Commons

Woodstock e a contracultura contra a Guerra do Vietnã

A contracultura surge nessa época como uma reação à guerra e à sociedade conservadora, propondo novos valores e estilos de vida e questionando as normas sociais e valores vigentes à época. O movimento hippie, um dos produtos da contracultura, pregava os ideais de paz, amor, liberdade individual, e questionamento às autoridades, defendendo também a liberdade sexual, o uso de drogas como expansão da consciência e a busca por um estilo de vida mais simples – um tanto contrário à própria ideologia capitalista.

A música, o cinema, a moda e as artes se tornaram veículos de expressão da contracultura, difundindo seus ideais e criticando a guerra do Vietnã e a sociedade estadunidense. Músicos como Bob Dylan, Jimi Hendrix e Janis Joplin transformaram a música em uma arma de protesto e consciência social. Filmes como “Easy Rider” e “The Graduate” expressavam a rebeldia da juventude contra a hipocrisia e o materialismo da sociedade americana. O festival de Woodstock foi o grande clímax da contracultura, protestando pelo fim da guerra.

Apesar de sua curta duração, a contracultura deixou um legado profundo na sociedade americana e no mundo. O movimento contribuiu para transformar a cultura e a política da época, impulsionando o debate sobre a guerra e sobre a necessidade de uma sociedade mais justa e igualitária. Os ideais da contracultura continuam a inspirar movimentos sociais e culturais em todo o mundo.

Diversos protestos contra a guerra tomaram as cidades dos Estados Unidos. Crédito: Arquivo Nacional dos EUA/ Domínio Público

Diversos protestos contra a guerra tomaram as cidades dos Estados Unidos. Crédito: Arquivo Nacional dos EUA/ Domínio Público

As marcas da Guerra do Vietnã existem até hoje na sociedade dos Estados Unidos. Soldados voltaram tão traumatizados que não falavam sobre suas experiências no front. O exército estadunidense, apesar de superior em poderio de fogo, se viu perdendo a batalha mais difícil: a da opinião pública. Enquanto os pais viam seus filhos voltando para casa em caixões, mutilados e traumatizados, a sociedade se perguntava até que ponto era válido continuar uma guerra do outro lado do mundo.

Hollywood e as novas narrativas da Guerra do Vietnã

A indústria cinematográfica produziu diversos filmes especificamente sobre esse conflito: de Apocalypse Now até o recente The Post, que conta a história de como o jornal Washington Post obteve uma série de documentos confidenciais do Pentágono sobre a guerra do Vietnã após o governo Nixon processar o jornal The New York Times. O caso levou à renúncia de Nixon, que estava prestes a sofrer um impeachment do Congresso.

Alguns mostram os horrores vividos pelos dois lados, outros mostram os soldados dos Estados Unidos como heróis, salvando o mundo do comunismo e há os que contam outras perspectivas dessa trama, abordando as questões políticas por trás de uma guerra que se estendeu por 11 anos, apenas depois da entrada do país no conflito.

Também é importante destacar que a guerra do Vietnã foi fortemente influenciada pelo racismo, que tratava os países da Ásia como menos desenvolvidos, capazes ou até mesmo humanos. Muitos filmes e séries de televisão foram usados para desumanizar os vietnamitas, transmitindo uma imagem de insensíveis ou sanguinários – quando, na verdade, eles só estavam defendendo o seu próprio país de uma invasão.

Quem venceu a guerra do Vietnã?

Essa pergunta pode ter mais de uma resposta, dependendo do referencial. Em termos de número de mortos, os vietnamitas saíram como mais impactados, já que as estatísticas contabilizam entre 966 mil e 3,8 milhões de mortes – em comparação aos mais de 58 mil soldados dos Estados Unidos. Na leitura a partir da conclusão do objetivo inicial, a vitória foi do Vietnã, que conseguiu unificar o país depois de 1975, fundando a República Socialista do Vietnã.

No entanto, as perdas foram enormes dos dois lados. Os Estados Unidos carregam o trauma até hoje de uma guerra que tentaram vencer, mas pagaram um preço muito alto. O Vietnã ainda tem feridas abertas da guerra, com campos devastados pelo agente laranja e pessoas vivendo com as sequelas pelo napalm.

A luta do capitalismo contra o comunismo, tão viva durante a Guerra Fria, teve seu ápice na Guerra do Vietnã. Muito mais do que essa disputa de ideologias, a guerra é um lembrete vivo das consequências devastadoras da intervenção militar e do imperialismo. Precisamos, sempre, trabalhar por um mundo livre de opressão e violência.

O legado da Guerra do Vietnã não se resume à tragédia da perda de vidas humanas, mas para honrar todos os mortos, precisamos também lutar por paz, justiça social e um futuro mais justo e igualitário. Infelizmente, as guerras que acompanhamos no século XXI nos mostram que ainda temos muito trabalho pela frente.

Da invasão russa à Ucrânia ao genocídio palestino na faixa de Gaza, existem diversos exemplos de como as intervenções militares são injustas e acabam cobrando um preço mais alto da população civil – exatamente como aconteceu no Vietnã.

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