Por Igor Mello e Karla Gamba
Um projeto de lei apresentado pelo deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), ex-coordenador e hoje tesoureiro da bancada da bala, quer proibir que imagens de câmeras corporais sejam usadas na Justiça como prova de crimes cometidos por policiais em serviço.
O argumento do projeto é que o equipamento obriga um policial que comete crimes a “produzir provas contra si mesmo”.
Segundo o texto, as imagens só poderiam ser utilizadas para “treinamento e aprimoramento dos procedimentos operacionais dos agentes de segurança” e “fiscalização interna e controle administrativo das ações policiais” — deixando a punição de delitos cometidos pelos agentes exclusivamente a cargo das próprias corporações policiais.
Na justificativa, o autor afirma ter a intenção de regulamentar “o respeito à garantia constitucional da não autoincriminação, segundo a qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”. Historicamente, imagens de câmeras instaladas em fardas e viaturas de policiais já foram peça-chave para flagrar crimes graves como execuções, tortura e corrupção.
O projeto de lei vai de encontro a decisões judiciais das mais diversas instâncias, incluindo do STF (Supremo Tribunal Federal). No âmbito da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, que reconheceu um estado de coisas inconstitucional na segurança pública do Rio de Janeiro, o tribunal determinou a instalação de câmeras nas fardas de todos os policiais civis e militares em serviço, como forma de redução da letalidade policial.
O jurista Nauê Bernardo Azevedo, advogado e cientista política, atuou em casos julgados no STF que discutiam a atuação policial em diversos contextos, como o perfilamento racial. Ele afirma que o projeto é uma “pirotecnia legislativa” que configura um “expresso retrocesso” no controle da atividade policial.
“Esse projeto é uma pirotecnia legislativa. Inicialmente, a administração pública se rege por diversos princípios, entre eles o da moralidade e da publicidade. Isso significa que o uso de câmeras fora do contexto de privacidade do policial militar pode e deve acontecer enquanto meio de controle social, inclusive para proteger o próprio policial de abordagens violentas ou corruptas nas quais ele possa ser vitimizado”, Azevedo.
“Fora que contribui para uma melhor análise dos casos em que o uso da força se faz necessário e contribui para impedir que situações limítrofes dependam apenas e tão somente da palavra de quem estava no local. Esta proposição ataca este instituto, então parece um expresso retrocesso em relação ao que as câmeras podem trazer de bom para a atividade policial”, critica o jurista.
“Acho que o essencial é que se invista cada vez mais em treinamento, capacitação, melhoria das condições de trabalho, saúde mental dos policiais e educação em direitos humanos e antirracismo para que nossas polícias possam fornecer um serviço de proteção cada vez mais capacitado para a sociedade”, completa ele.
Autor do projeto, Capitão Augusto afirmou reiterou os termos do texto que apresentou. Segundo ele, as câmeras só servem para punir os policiais.
“Para ver como o único objetivo dessas câmeras é flagrar PMs que cometerem erro… Já partem da premissa que os PM estão trabalhando fora da lei. Que coloquem câmeras em todos os servidores públicos”, disse ele sobre as críticas.
Bolsonaristas promovem ofensiva contra as câmeras
Os bolsonaristas vem promovendo uma ofensiva contra o uso das câmeras corporais, após a tecnologia se tornar um exemplo de sucesso no controle da violência policial em São Paulo. A gestão de Tarcísio de Freitas vem adotando medidas para restringir e prejudicar o funcionamento nas câmeras corporais.
Já no Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro chegou a afirmar que iria desobedecer o STF e não colocaria câmeras nos uniformes de policiais de unidades especiais, como o Bope (Batalhão de Operações Especiais). Depois, foi obrigado a recuar.
Contudo, o sistema adotado pelo Rio de Janeiro é considerado falho e permeável a manobras para blindar crimes cometidos por policiais, segundo autoridades e especialistas.
A Defensoria Pública do Rio vem mostrando que parte expressiva das imagens de possíveis crimes não é fornecida pela PM, sob a justificativa de que os registros se perderam. Em abril, a coluna revelou que a corporação disse ao STF ter perdido imagens ligadas a 34 casos onde há suspeitas de maus tratos e tortura cometidas por PMs.
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