A Reforma Trabalhista de 2017 combinada com os quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reduziram a quantidade de trabalhadores do país filiados a sindicatos ao menor número da história.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao final de 2022, pela primeira vez, o Brasil fechou o ano com menos de 10 milhões de sindicalizados — 9,1 milhões, exatamente — e também com menos de 10% de empregados associados a uma entidade de classe — 9,2%.
Em 2021, o número era de 10,6 milhões de filiados, o que correspondia a 11,2% da população ocupada. Já em 2012 — ou seja, dez anos antes —, o Brasil tinha 14,4 milhões de trabalhadores sindicalizados, os quais representavam 16,1% dos ocupados.
Esses dados foram levantados pelo IBGE durante a realização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. Foram divulgados em setembro do ano passado e, até o momento, são o retrato mais atual de um movimento que vem sendo monitorado há anos por lideranças sindicais e pesquisadores, mas que se intensificou devido a mudanças na legislação trabalhista e à crise econômica enfrentada na gestão bolsonarista.
“Chegamos ao fundo do poço”, admitiu Ricardo Patah, presidente da central União Geral dos Trabalhadores (UGT) e também do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, um dos maiores do país, em entrevista ao Brasil de Fato. “Enfrentamos uma convulsão da estrutura sindical, e o trabalhador acabou não vendo mais sentido a sua filiação.”
Reforma Trabalhista
Segundo Patah, a reforma trabalhista mexeu de forma brusca com a arrecadação dos sindicatos. Isso porque a nova legislação mudou a forma de cobrança do chamado imposto sindical, passando a exigir que somente trabalhadores que tivessem expressado formalmente o interesse em contribuir com as entidades tivessem o valor equivalente a um dia de trabalho por ano descontado de seus pagamentos — antes, o desconto era feito de todos que não se opusessem.
Desde então, entidades que representam trabalhadores perderam quase 99% do que recebiam referente à contribuição. Segundo o Ministério do Trabalho, em 2017, R$ 2,233 bilhões haviam sido repassados a entidades laborais, incluindo federações, confederações e centrais. Em 2021, os repasses baixaram para R$ 21,4 milhões.
“Ficamos sem recursos para prestar os serviços. A consulta médica, o dentista, o lazer”, lembrou Patah, justificando queda de filiados.
Bolsonaro
Aliada a essa crise, veio a crise econômica. Nos quatro de Bolsonaro, a economia brasileira cresceu 1,5% ao ano em média. Em 2020, ano da pandemia, o Produto Interno Bruto (PIB) chegou a encolher 3,3%, com consequente aumento do desemprego.
Nesse cenário, lembrou Patah, os sindicatos pouco podiam fazer para pressionar empresas por aumentos reais de salários dos trabalhadores. Perderam, inclusive, parte de sua base já que muitos empregados formais foram demitidos. Acabaram encolhendo.
“No Brasil, o sindicato só representa o trabalhador formal. A informalidade e a rotatividade são problemas para os sindicatos, e isso acelerou”, acrescentou Fausto Augusto Junior, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Mais problemas
Segundo Augusto Junior, os sindicatos também sofrem hoje com a perda de identificação do trabalhador com sua categoria. “Há 30 anos, o metalúrgico perdia um trabalho da Ford, buscava outro trabalho como metalúrgico na Volks e, em último caso, tentava se recolocar numa autopeças.
Hoje, ele sai de uma montadora e tenta emprego na construção civil, arruma um trabalho no comércio. Não está mais ligado a uma profissão”, explicou.
Patah, da UGT, afirmou que a tecnologia também acabou gerando trabalho para muitos empregados formais que foram desligados ano após ano de suas empregadoras.
Citou, por exemplo, o caso dos aplicativos para motoristas e entregadores, para os quais 1,5 milhão de pessoas prestavam serviços ao final de 2022. Lembrou que eles não são sindicalizados, já que aos olhos da lei são trabalhadores informais.
Augusto Junior ressaltou ainda que, para os formais, atualmente, não há diferença prática para quem é ou não sindicalizado — o que não incentiva a filiação. Também por lei, ele diz que acordos sobre reajustes e outras melhorias fechados por sindicatos devem valer para toda categoria representada.
Assim, mesmo não estando filiado ou contribuindo com a entidade sindical, um trabalhador acaba sendo beneficiado pela sua representação.
“Hoje, ser sindicalizado é uma decisão política”, complementou o economista. “O sindicato garante o direito de todos, mas hoje não consegue uma contribuição de todos.”
Reforma sindical
Augusto Junior defende uma reforma sindical que garanta o direito dos sindicatos de garantir sua sustentabilidade. Por meio dessa reforma, as entidades poderiam prever nos acordos coletivos que todos os trabalhadores beneficiados em negociações contribuíssem com parte de ganhos para manutenção de sua representação.
Propostas como essa, aliás, foram debatidas num grupo de trabalho criado pelo governo no ano passado para debater formas de fortalecer a negociação coletiva entre patrões e empregados.
A expectativa era que desses debates saísse um projeto de lei que seria enviado ao Congresso Nacional, numa mini “contrarreforma trabalhista”. Esse projeto, porém, nunca foi formalmente apresentado ao público nem a parlamentares.
Patah disse que ainda espera do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ex-líder sindical, uma atitude em prol do fortalecimento dos sindicatos. Ressaltou que, independentemente dela, o “pior já passou” para as entidades sindicais. Elas, aos poucos, estão encontrando formas para se manter e continuar zelando pelos trabalhadores.
Patah lembrou que, também por conta da situação econômica, 77% dos acordos salariais fechados no ano passado obtiveram aumentos acima da inflação para os trabalhadores. Isso, disse ele, voltou a despertar confiança dos empregados em suas entidades sindicais. A procura por filiação mudou por conta disso. “Acho que, em dois anos, conseguiremos estar num patamar igual ao de antes da Reforma Trabalhista”, disse.
Procurado pelo Brasil de Fato para comentar a situação dos sindicatos no país, o Ministério do Trabalho não se pronunciou.
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