Poucos homens públicos têm uma trajetória tão consistente e coerente quanto a de Flávio Dino, atual ministro da Justiça e indicado pelo presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal. A indicação ainda precisa passar pelo crivo do Senado e sua sabatina está prevista para o próximo 13 de dezembro.
É muito simbólico que a sabatina de Dino ocorra em uma data que ainda assombra os brasileiros. Foi num 13 de dezembro, 55 anos atrás, que o general Costa e Silva editou o famigerado Ato Institucional no. 5, o AI-5, que radicalizou a repressão, tortura e assassinatos de opositores do regime, cassou mandatos de parlamentares e de três ministros do STF. A coincidência de datas não pode passar em branco, considerando os fatos mais recentes desde a eleição de Lula para seu terceiro mandato e a firme atuação de Flávio Dino em defesa da democracia neste país.
No primeiro ensaio terrorista a que assistimos, na noite de 12 de dezembro do ano passado, dia da diplomação de Lula no TSE, baderneiros golpistas incendiaram carros em Brasília e tentaram invadir a sede da Polícia Federal. As autoridades locais e federais permaneceram inertes. Dino, já ministro da Justiça indicado por Lula, tomou a iniciativa de se dirigir ao país, por meio da imprensa, para acalmar a sociedade e informar sobre as providências tomadas.
Naquele momento, Dino disse a que veio, mostrando-se como um dos combatentes mais firmes pela democracia, com atuação decisiva no domingo infame, em 8 de janeiro, quando a violência golpista resultou na depredação das sedes dos três poderes da República. Foi o maior ataque às instituições democráticas no Brasil, como nunca se havia visto desde o fim da ditadura.
Dino chegará ao STF (assim espero) no momento em que a corte transformou-se no maior dique de contenção do golpismo e do projeto fascista no Brasil. Suas maiores credenciais são a defesa da democracia, do pacto constitucional de 1988 e do Estado democrático de Direito.
Mas a trajetória de Dino na vida pública vai além. Juiz federal de carreira, deputado federal, governador do Maranhão por dois mandatos seguidos e eleito senador em 2022. Quando eleito em 2014, pelo PC do B (hoje está no PSB), para o primeiro mandato de governador, conseguiu a façanha de derrotar o clã Sarney, repetindo a dose em 2018.
Durante a pandemia, enquanto Bolsonaro empurrava cloroquina goela abaixo dos brasileiros e mandava a população ir às ruas, como quem manda gado para o matadouro, Dino comandou uma operação cinematográfica para importar respiradores da China. A saga está contada no livro “Operação Secreta Etiópia-Maranhão”, de Wagner William (editora Vestígio). A operação desviou-se das rotas tradicionais de importação. Passou pela África para chegar ao Brasil e garantir a entrega dos equipamentos hospitalares mais procurados do mundo naquele momento. Tudo foi feito em sigilo porque o governo federal, se soubesse, sabotaria a importação.
Diferentemente de quem se acha elite intelectual no país e classifica notório saber apenas pela quantidade de livros ou teses que alguém escreveu, Dino tem a vantagem de conciliar saber jurídico com o conhecimento do que é o Brasil, nossa construção oligárquica e hierarquizada em camadas sobre camadas de privilégios. Dino fala português e não “juridiquês”. Construiu perfil de estadista, mas seu retorno à magistratura fará bem ao país. É o homem certo, no lugar certo e na hora certa neste momento de tantas incertezas no Brasil.
Por fim, uma nota de caráter pessoal. Flávio Dino conheceu a dor mais dilacerante que um pai pode sentir. Em fevereiro de 2012, perdeu o filho, Marcelo, aos 13 anos, durante internação para tratar uma crise de asma. Esteja onde estiver, Marcelo deve estar sentindo imenso orgulho do pai.
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