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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

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O sul e seus quilombos ancestrais submersos 

A catástrofe que deixou de atingir os de sempre, para chegar a todo mundo
10/05/2024 | 09h04

Quando alguém pronuncia a palavra “gaúcho”, o imaginário nacional voa para um homem de bombachas, botas, tomando chimarrão, com um laço na cintura. Um homem branco.

Embora o censo aponte que o sul tenha 78% de pessoas que se autodeclaram brancas, esta região também abriga uma população negra e um contingente se reúne em quilombos que estão literalmente submersos.

Luís Rogério Machado, liderança no Quilombo dos Machado e da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, um dos oito no perímetro urbano da cidade de Porto Alegre, em entrevista ao portal Terra foi categórico: Em 97% da área é perda total”.

O estado todo abriga mais de sete mil famílias quilombolas, além de 344 famílias de ciganos e cerca de 1.300 comunidades de terreiros. Porto Alegre tem oito quilombos em sua área urbana.

O Quilombo dos Machados e também a Vila Respeito são dois destes lugares onde a carência de poder público faz com que falte o básico muito antes da tragédia anunciada do momento.

Em dezembro de 2020, as lideranças da comunidade imploravam por auxílio para reconstruir as casas afetadas pela chuva. São 265 casas, com cerca de 250 crianças residentes no local ocupado há 70 anos pelo casal Laura e Eugênio Machado.

Há quatro anos o apelo no jornal Correio do Povo era Queremos neste final de ano tocar o coração solidário dos gaúchos, pra tornar mais felizes estas famílias que estão desabrigadas”.

O apelo no final daquele ano, que também era assolado por uma pandemia, prova o que já falamos em várias ocasiões neste mesmo espaço: a população preta e pobre está na vanguarda do problema.

O que antes bate lá, cedo ou tarde se expandirá e os corações que não apenas não são solidários, mas negam este fato são comandados por cérebros pouco inteligentes. As mudanças climáticas estão aí para todos e todas.

O produtor musical Jay-Gueto, da Vila Respeito, também em entrevista na mídia constatou o óbvio, Eles estavam em situação vulnerável antes mesmo da enchente. Desde que me conheço por gente as chuvas fortes causam enchentes e o saneamento básico é precário.


Quem está preso nas definições limitadas do que seja um quilombo ou da visão construída apenas por obras que falam de pessoas egressas da escravidão, não alcança que um quilombo é, antes de qualquer coisa, um lugar de proteção.

Pessoas reunidas para resgatar pertencimentos e acolhimento contra um entorno nada amigável, em uma sociedade violenta e opressora. “Aquilombar” se torna urgente em um lugar onde se é minoria numérica e também na precarização da vida.

Cerca de 8 mil indígenas, de 80 comunidades no Rio Grande do Sul também perderam tudo e estão isolados, em aldeias completamente debaixo d’água. A destruição é total. Assim como acontece com os quilombolas, os indígenas são afetados por catástrofes que se sobrepõem.

O cacique Helio Fernandes, da aldeia guarani Guyra Nhendu, em Muquié, no litoral norte, conta que um mês antes outra enchente levou as casas, pois elas estão em áreas não demarcadas e as populações vivem em construções muito precárias e vulneráveis aos males provocados pela natureza e, principalmente, pela ação humana.

A ausência de poder público nestes locais apenas comprova o que a história conta sobre como o estado brasileiro trata indígenas, quilombolas e o povo mais pobre. Como diz o também o líder quilombola Jamaica, do Quilombo dos Machado, são perdas que vão além do material, atingem a ancestralidade porque vêm de séculos. São “perdas ancestrais”.

O momento é de aquilombar, no mais profundo sentido desta expressão. A catástrofe se democratizou e deixou de atingir os de sempre, para atingir mais de um milhão e quatrocentas mil pessoas em todo o Rio Grande Sul. São mais de 300 municípios arrasados.

Se existe um momento ideal para os que gostam de afirmar que “somos todos iguais” colocarem isto realmente em prática, esta hora é agora.

Para quem deseja ajudar:

  • Quilombo dos Machado: Chave Pix: [email protected]/ Responsável: Vanda Tamires.
  • Federação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Rio Grande do Sul: Chave Pix: 46829258/001-04 (CNPJ).
  • Retomada GÃH RÉ Kaigang: Chave Pix: 349.022.360-87/ Responsável: Iracema Nascimento.
  • Retomada Xokleng Konglui: Chave Pix: [email protected]/ Responsável: @xoklengsaochico.

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