Por Cleber Lourenço
A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União deflagraram nesta quarta-feira (23) a Operação Sem Desconto para desmontar um esquema de descontos ilegais em aposentadorias e pensões pagos pelo INSS. As informações constam de uma apresentação oficial do governo federal à qual a reportagem teve acesso.
O documento detalha que sindicatos e associações se valiam de convênios com o órgão para realizar cobranças automáticas de mensalidades associativas sem a autorização formal dos beneficiários, prática considerada ilegal e lesiva a uma parcela vulnerável da população. O esquema, segundo os investigadores, teria movimentado aproximadamente R$ 6,3 bilhões entre os anos de 2019 e 2024.
A CGU iniciou as apurações em 2023 ao detectar um crescimento expressivo e fora do padrão no número de descontos em contracheques de aposentados e pensionistas. Para aprofundar a investigação, foram auditadas 29 entidades que mantinham Acordos de Cooperação Técnica com o INSS. Além disso, cerca de 1.300 aposentados foram entrevistados — a maioria declarou não ter autorizado os débitos em folha, o que indica que os documentos usados pelas entidades podem ter sido fraudados.
A operação mobilizou cerca de 700 agentes da Polícia Federal e 80 servidores da CGU para cumprir 211 mandados de busca e apreensão em 13 estados da federação e no Distrito Federal. Também foram emitidos seis mandados de prisão temporária, dos quais três foram cumpridos e três seguem com os alvos foragidos. Entre os nomes de maior destaque na lista de investigados estão o presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, o diretor de Benefícios Vanderlei Barbosa dos Santos, além de outros servidores de alto escalão e um policial federal. Todos foram afastados de suas funções por ordem judicial.
A CGU constatou que 70% das entidades auditadas não entregaram a documentação completa exigida pelo INSS para justificar os descontos aplicados. A falta de documentação, somada aos indícios de falsificação de autorizações, levanta suspeitas de um sistema organizado para fraudar o sistema previdenciário. Durante as buscas, foram apreendidos diversos bens de alto valor, incluindo carros de luxo, grandes quantias em dinheiro vivo, joias e obras de arte — evidência do possível enriquecimento ilícito de envolvidos no esquema.
Veja algumas das entidades que tiveram seus acordos suspensos com o INSS
Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (Ambec)
Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (SINDNAPI/FS)
Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (AAPB)
Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (Aapen), anteriormente denominada de Associação Brasileira dos Servidores Públicos (ABSP)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
Universo Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social (AAPPS Universo)
União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (UNASPUB)
Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer)
Associação de Promoção e Defesa dos Aposentados e Pensionistas (APDAP Prev)
Associação Comunitária Amar Brasil (ABCB)
Centro de Apoio e Assistência Previdenciária (CAAP)
De acordo com os investigadores, os indícios apontam para a existência de uma estrutura criminosa com ramificações em várias unidades da federação, dedicada à prática de crimes como organização criminosa, corrupção ativa e passiva, falsificação de documentos públicos e particulares, violação de sigilo funcional e lavagem de dinheiro.

Entrevista coletiva sobre Operação Sem Desconto da PF em Brasília (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
Previdência e INSS suspenderam acordos com entidades investigadas
Em coletiva de imprensa, o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, afirmou que a nomeação de Alessandro Stefanutto foi de sua total responsabilidade. “A indicação do doutor Stefanutto é de minha inteira responsabilidade”, disse Lupi, enfatizando que Stefanutto é procurador da República e atuou no grupo de transição do governo. O ministro ressaltou que não há decisão sobre demissão e defendeu o direito ao contraditório. “Todo mundo é inocente até que se prove o contrário”, afirmou.
O Ministério da Previdência e o INSS suspenderam todos os Acordos de Cooperação Técnica com as entidades envolvidas no caso. Como medida de proteção, o INSS também orienta aposentados e pensionistas que identifiquem descontos indevidos em seus extratos a cancelarem os débitos diretamente pelo aplicativo ou site do Meu INSS. Segundo fontes internas, novas medidas estão sendo avaliadas para evitar que fraudes semelhantes se repitam no futuro, incluindo o aprimoramento dos sistemas de controle e auditoria do órgão.
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