Por Marcelo Passarella — Brasil de Fato
A aprovação do Projeto de Lei 344/2023 pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul nesta terça-feira (9), que autoriza o governo do estado a instituir o Programa de Escolas Cívico-Militares no território gaúcho, deve ser alvo de ações na esfera jurídica ao longo das próximas semanas.
O projeto assinado pelo deputado Delegado Zucco (Republicanos) e outros quatro parlamentares é considerado inconstitucional por contrariar o modelo de educação estabelecido pela União e por gerar mais custos aos cofres estaduais.
A aprovação da proposta — por 30 votos a favor e 14 contrários — ocorreu em meio à mobilização de professores e funcionários do Cpers Sindicato (o sindicato representa professores e funcionários de escola do estado) ao longo do dia.
Durante a votação, à tarde, o grupo ocupou as galerias do plenário para demonstrar rejeição à medida, avaliada como um retrocesso. Pela manhã, estiveram posicionados em frente à Assembleia e visitaram os líderes de bancadas para entregar um parecer jurídico que aponta as principais ilegalidades do projeto.
“É um projeto que representa a ideologia da extrema-direita e que visa militarizar as escolas. Nós somos defensores da escola pública, laica, civil e democrática. Eles aprovam esse projeto porque eles querem cooptar jovens para a ideologia de extrema-direita, para votarem neles, sob o argumento de precisam ter disciplina, hierarquia e amor à Pátria. É muito grave o que aconteceu ontem na Assembleia, com o aval do governador Eduardo Leite (PSDB) e da secretária (da Educação) Raquel Teixeira. Eles vão responder por esse grave retrocesso na educação”, afirma.
Neiva ressalta que, nos bastidores, se cogita ser possível que tenha ocorrido uma negociação entre o governo e os parlamentares para garantir o apoio dos deputados de extrema-direita na votação do projeto de revisão do ICMS em isenções fiscais, em troca do apoio do governo e da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) ao PL do Delegado Zucco.
“Usaram a escola pública como barganha, como moeda de troca. Nós da direção do 39º núcleo, que já conquistamos uma decisão da Justiça no estado, estamos estudando o encaminhamento de uma nova ação para derrubá-lo”, aponta.
“A escola não pode ser uma guerra”
A ausência de base legal para a implantação do modelo de escola cívico-militar no Rio Grande do Sul foi abordada pelos parlamentares que defenderam a rejeição à proposta na sessão desta terça-feira.
A ilegalidade do modelo de escola cívico-militar no território gaúcho já foi comprovada a partir de uma decisão da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre de novembro do ano passado. Na ocasião, a medida encaminhada pelo Escritório Rogério Viola Coelho — Advocacia dos Direitos Fundamentais contemplava 25 escolas que estavam incluídas no modelo nacional que já havia sido revogado pelo presidente Lula.
A presidente da Comissão de Educação, deputada Sofia Cavedon (PT), ressaltou a inviabilidade do sistema em relação à legislação brasileira sobre o tema. Ela destacou que a suspensão do modelo também ocorreu em São Paulo após decisão do Tribunal de Justiça (TJ) — a partir das mesmas diretrizes jurídicas que impediram a manutenção do sistema no Programa Estadual de Escolas Cívico Militares no Rio Grande do Sul.
Já a deputada Luciana Genro (PSOL), que também ocupa a presidência da Frente Parlamentar em Defesa dos Brigadianos de Nível Médio, abordou o estado de saúde mental de muitos militares que não estão preparados para lidar com ambientes escolares — mesmo na função de monitores. Segundo ela, a taxa de suicídio em militares é três vezes superior em relação a civis.
“O militarismo é adoecedor e se baseia em uma lógica de guerra, em que uns são inimigos dos outros. Essa é a base que gera um índice de suicídio três vezes maior para os militares. É a lógica da obediência e esta lógica é muito importante na guerra, mas a escola não pode ser uma guerra, tem que ser um ambiente de aprendizado”, afirmou.
Ela destacou ainda uma pesquisa realizada junto a profissionais de escolas do DF, RJ e PR que demonstra que a relação entre policiais e alunos prejudica o ambiente escolar, devido a decisões autoritárias de militares que tentam se intrometer nas questões pedagógicas.
“Vídeos divulgados por alunos mostram um monitor PM dizendo que se precisar iria bater em um aluno. O que esse modelo proporciona são militares que já tem uma boa aposentadoria com gordos contracheques e gordas gratificações para ameaçarem estudantes dentro das escolas, pra evitarem que a escola seja um ambiente democrático, de divergência e aprendizado. Não é com repressão que se vai melhorar a escola pública e o Brasil”, defendeu Luciana.
RS: PL retoma modelo extinto pelo governo federal
Um dos proponentes do PL, Delegado Zucco disse que o objetivo do projeto é dar base legal às 26 escolas estaduais e 60 municipais que “ficaram órfãs de uma legislação” após a extinção do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), em julho de 2023.
Lembrou que não é o único autor do texto, já que toda a bancada do Republicanos assinou o projeto, que recebeu apoio de vários outros parlamentares. Defendeu que o modelo cívico-militar é mais uma alternativa para a educação dos jovens no estado. “Não tenho dúvida nenhuma que o modelo é de sucesso”, citando exemplos de Canoas e Tupanciretã.
O deputado Capitão Martim (Republicanos) complementou explicando que “o programa visa não apenas a absorção das escolas cívico-militares que foram descontinuadas pelo governo federal, mas também a implantação de novas instituições sob esse modelo em todo o Rio Grande do Sul.”
O deputado Felipe Camozzato (Novo) também defendeu a escola cívico-militar, trazendo o exemplo do estado de Goiás, que de 2013 a 2019 expandiu o programa abrangendo 60 escolas. Ele citou algumas mudanças em indicadores, como redução de 10% na distorção de idade e série; aumento de 0,6 no IDEB; aumento de 15,25% nas notas de Matemática e aumento de 11,61% nas notas de Português.
“Quando a gente olha para os indicadores, a gente consegue afastar as narrativas ideológicas e políticas e avaliar se uma política pública faz ou não faz sentido. E, nesse caso, me parece que fica claro que faz sentido”, disse Camozzato.
Educadores criticam modelo
A movimentação de docentes e demais trabalhadores da educação ocorreu durante a manhã e se estendeu até o final da votação na Assembleia Legislativa nesta terça.
Após visitar as bancadas dos líderes partidários na Assembleia, os professores acompanharam a apreciação dos projetos durante a sessão ordinária. Docentes com décadas de experiência na educação criticaram a falta de diálogo com a sociedade para a implementação da medida.
Uma das professoras que fazia parte do grupo é Clarice Fuiza, que lecionou mais de 35 anos em turmas de Anos Iniciais do Ensino Fundamental e também já foi membro do Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre representando dois núcleos do Cpers. Ela aponta que a inclusão de militares nas escolas restringe o livre pensamento e é um risco à própria autonomia dos professores em sala de aula.
“Isso não cabe no fazer pedagógico. A construção de um mundo que pensa e que reflete e que tem possibilidade de construir uma sociedade humana. Isso não cabe na sociedade civil e perdemos e legitimidade como educador e os direitos de viver livremente. Isso é ditadura”, avalia.
O risco iminente de intrusão dos militares nas questões pedagógicas também foi abordado pela diretora do Cpers, Leonor Ferreira. “O interesse é acabar com a educação. Eles também vão controlar o que os professores vão fazer. O projeto não estipula claramente algumas questões, e sabemos que na prática será diferente. Os professores vão se sentir acuados, sem poder dar sua opinião e ensinar os alunos. É uma forma de nos calar”, desabafou.
O projeto define que o papel de gerir e manter o modelo educacional será das secretarias de estado da Educação e da Segurança Pública, com um sistema de adesão que conta com consultas públicas à comunidade escolar e a utilização de policiais militares da reserva como monitores. Terão preferência as instituições que atendem jovens em situações de vulnerabilidade social, estabelecendo uma gestão compartilhada entre as secretarias.
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