ICL Notícias

Por Ayam Fonseca*

A expansão da Linha 5 do metrô de São Paulo virou motivo de discussão entre o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o presidente Lula (PT). O governador disse em postagem feita no X nesta segunda-feira (1) que o contrato para as obras já foi assinado, e que elas seriam feitas de qualquer maneira.

A publicação, acompanhada de foto em que o governador aparece comendo um sanduíche, foi uma resposta à fala de Lula no sábado (29), quando disse que não firmaria nenhum contrato de expansão da Linha 5, pois nem Tarcísio, nem Ricardo Nunes (MDS) — prefeito de São Paulo — haviam comparecido a um evento com o presidente no Jardim Ângela, zona sul da cidade.

Contudo, nessa discussão entre governo federal e governo de São Paulo falta uma voz importante: a dos metroviários.

“A Caixa Econômica Federal e o ministro das Cidades resolveram não assinar porque é importante fazer isso junto com o governador e o prefeito”, disse Lula durante a cerimônia em Jardim Ângela.

A obra ligará a Linha 5 do metrô do Capão Redondo ao Jardim Ângela, além da construção de duas novas estações. É previsto que sejam investidos R$ 3,4 bilhões. O governo de São Paulo também pediu para que o projeto seja incluído no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), para obter mais obter R$ 1,7 bilhão em empréstimo do BNDES. A expansão faz parte do projeto de privatização do governo Tarcísio, que planeja conceder todas as linhas de metrô do estado à empresas privadas até o fim do seu mandato, em 2026.

Atualmente, o metrô de São Paulo já conta com quatro linhas privatizadas, sendo elas as linhas 8 (Diamante), 9 (Esmeralda), 4 (Amarela) e a 5 (Lilás), todas operadas pelo Grupo CCR. Além disso, a linha 7 (Rubi) foi leiloada em fevereiro deste ano e será a próxima a pertencer à iniciativa privada. A jogada mais recente de Tarcísio nesta trama de privatizações é a concessão da linha mais antiga do estado, a Linha 1 (Azul), que segundo os planos do político, deve ser privatizada em 2025.

Todas essas privatizações têm deixado insatisfeitos os metroviários de São Paulo, que reclamam do desmantelamento que o metrô vem sofrendo há anos.

Desmonte

Na última década, o quadro de funcionários do metrô caiu 26,5%. Em relação aos serviços de atendimento, a queda da quantidade de trabalhadores foi de 35%. Serviços antes disponíveis nas estações de metrô foram fechados, como a biblioteca e a unidade da Unimed.

A Universidade Corporativa do Metrô de São Paulo — a Unimetro –, responsável por todo o treinamento e gestão de conhecimento interno, tanto do pessoal do administrativo e projetos quanto de operação e manutenção, foi outra instituição fechada pelo governo Tarcísio.

“Na Unimetro se acumulava todo o conhecimento da produção metroviária”, pontua Camila Lisboa, presidente do sindicato dos metroviários de São Paulo. “Aqui tem uma concentração de memória e saberes muito importante, que subsidia o desenvolvimento de metrôs em outras cidades do Brasil e do mundo. Infelizmente, todo esse arquivo e acúmulo de conhecimento está sendo deixado de lado com o fechamento da biblioteca e da universidade”, completou a metroviária.

Camila diz que o metrô está passando por uma destruição. Ela explica como esse sucateamento do metrô faz parte de um movimento político, que visa criar um ambiente que favoreça uma concessão a iniciativa privada.

“Nós entendemos que em todo processo de privatização existem etapas, e a fase anterior ao processo de concessão, é a do desmonte e sucateamento da empresa pública”, afirma a sindicalista.

Manifestação dos metroviários de São Paulo contra a privatização, que ocorreu em junho em frente Masp. Foto: Arquivo/ Sindicato dos Metroviários de São Paulo

A ideia de que o metrô é um ativo deficitário, ou seja, gera mais gastos do que lucro, tem sido usada como argumento favorável à privatização. Por isso, o governo Tarcísio vê a concessão das linhas do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) como uma saída para manter a saúde financeira da empresa.

Contudo, para Camila, a simples concepção deste argumento é uma contradição, pois, como empresa pública, o metrô não tem o objetivo nem a obrigação de lucrar.

“Ela é uma empresa pública, e como uma empresa pública ela não tem que ter o lucro como objetivo, mas sim o transporte seguro para a população. […] A empresa Metrô e o governo criaram essa narrativa de que é preciso cortar gastos, e estão acabando uma série de funções fundamentais. Todo o setor de engenharia, solda dos trilhos, e o serviço de manutenção das vias, caminham para ser terceirizados”, comenta a presidente do sindicato.

Privatização: Qualidade do serviço

Grande parte dos principais metrôs do mundo são administradas pelo poder público, alguns deles sendo referência de qualidade em transporte, como os metrôs de Londres, Nova York, Paris, Tóquio, Cidade do México e Moscou. Há, entretanto, algumas exceções: os metrôs do Rio de Janeiro e Buenos Aires são geridos por empresas privadas desde meados dos anos 1990.

Lisboa acrescenta que a experiência concreta da privatização do transporte sobre trilhos em São Paulo, questiona a ideologia dos privatistas de que a gestão de uma empresa privada melhora o serviço. Segundo a sindicalista, o serviço piorou, e citou alguns problemas que as linhas tem passado, como atrasos e superlotação nas plataformas. “Hoje teve atraso na Linha 5, […] no dia 15 de fevereiro do ano passado a linha 4 ficou com problema o dia inteiro porque não tinha equipe suficiente para atender imediatamente as falhas”, completou.

Ato de lançamento do plebiscito contra a Privatização da Sabesp, Metrô e CPTM. Foto: Arquivo/Sindicato dos Metroviários de São Paulo

Camila explica que os contratos firmados com as concessionárias privadas garantem a elas uma previsão de ganho. Isso significa que o operador privado vai ter um lucro garantido, recebendo um repasse de dinheiro pelo estado quando não for alcançada a demanda de passageiros prevista.

“Esse tipo de contrato é de zero risco para os empresários. Lucro garantido por 30 anos. Com isso, o Estado gasta mais dinheiro com a privatização do que subsidiando as empresas”, concluiu Camila.

Em entrevista a BBC News Brasil, Cibele Franceze, professora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP) e ex-secretária estadual adjunta de Gestão Pública e de Planejamento e Desenvolvimento Regional de São Paulo, disse que a privatização do metrô pode ser um risco para o planejamento metroviário da cidade.

“Hoje quem pensa transporte trabalha no metrô e não na secretaria. Se o metrô for privatizado, o Estado perde a capacidade de planejamento da rede e não apenas de operação”, afirma a especialista.

*Estagiário sob coordenação de Chico Alves

LEIA TAMBÉM

Mesmo com fundo, Tarcísio admite que privatização da Sabesp não reduzirá tarifas

Privatização da Sabesp é aprovada pela Câmara dos Vereadores de SP sob protestos

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail